Vitória de trans no campeonato francês de xadrez reacende polêmica sobre atletas no esporte
Conquista de Yosha Iglesias ocorre em meio a críticas da FIDE, polêmica sobre igualdade de gênero e questionamentos de Nigel Short
O mundo do xadrez vive um debate inédito após a vitória de Yosha Iglesias, de 37 anos, primeira jogadora transgênero a conquistar o título feminino da França. Sua consagração em Vichy foi celebrada como um marco histórico, mas também trouxe à tona divisões antigas dentro da Federação Internacional de Xadrez (FIDE) e críticas abertas de grandes nomes do esporte.
Segundo o jornal espanhol Marca, o grande mestre britânico Nigel Short, vice-presidente da FIDE e vice-campeão mundial em 1993, deu o tom da controvérsia ao questionar em suas redes sociais: “O campeão francês feminino de 2025 é um homem biológico. O que você acha?”. Antes disso, Short já havia afirmado que “os homens jogam xadrez melhor do que as mulheres, em média”, e ironizou as críticas recebidas por defender que jogadoras trans não deveriam competir em torneios femininos.
Diferentemente de esportes físicos, o xadrez sempre alimentou a dúvida sobre a necessidade de categorias divididas por gênero. Embora a FIDE mantenha competições separadas, a federação já foi cobrada a revisar as regras diante do aumento da participação de atletas trans. Em 2023, a entidade estabeleceu que mulheres trans deveriam esperar até dois anos para serem aceitas em torneios femininos, decisão considerada discriminatória por ativistas.
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A polêmica se apoia em um contraste concreto: com exceção da húngara Judit Polgar, que alcançou o 8º lugar no ranking mundial em 2004, nenhuma jogadora chegou ao Top 100. Atualmente, a melhor enxadrista do mundo, a chinesa Hou Yifan, aparece apenas na 143ª posição. A questão que inquieta dirigentes e mestres é: o que aconteceria se um grande jogador de elite migrasse para a categoria feminina?
Pioneirismo e resistência
Iglesias, que começou a jogar ainda adolescente influenciada pelo irmão, viveu uma trajetória marcada por obstáculos. A paixão pelo xadrez a acompanhou mesmo em momentos de crise pessoal, quando adiou sua transição de gênero. “Eu não estava realmente viva, apenas tentando sobreviver. Ser feliz parecia impossível”, disse em entrevista recente.
Sua transição começou em 2020, quando já trabalhava como professora de xadrez. Dois anos depois, abriu um canal no YouTube, que hoje reúne mais de 12 mil seguidores, além de uma conta ativa no X (antigo Twitter). A visibilidade também trouxe milhares de ataques. “Antes da transição, eu não me considerava mentalmente forte. Agora me considero. Meus melhores treinadores foram as pessoas que me insultaram”, afirmou.
A vitória em Vichy garante à jogadora presença no circuito internacional, mas também a coloca no centro da disputa política que divide o esporte. A própria FIDE determinou que decisões sobre elegibilidade de atletas trans não podem ser contestadas por federações nacionais — e a recusa de participação será considerada “comportamento discriminatório”.
Iglesias ainda enfrentará novos desafios fora do tabuleiro. Em outubro, deve passar pela terceira cirurgia de transição, o que pode impedir sua participação no Campeonato Mundial Feminino, previsto para novembro em Linares, na Espanha. Até lá, o xadrez internacional seguirá dividido entre a celebração de sua conquista e o embate sobre o futuro das competições femininas.

