"Ele foi do 16º andar até o térreo me agredindo", diz mulher que levou 61 socos no elevador
Vítima está em internada e precisa de doações para tratamentos
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A agressão contra a promotora de vendas Juliana Garcia dos Santos Soares, de 35 anos, em Natal, capital do Rio Grande do Norte, revoltou o Brasil inteiro. Ela foi espancada no último dia 26 de julho, pelo então namorado, Igor Cabral, 29, que é ex-jogador de basquete. Em 36 segundos, Juliana levou 61 socos no elevador do prédio de classe média no qual morava.
Em entrevista ao programa "Domingo Espetacular", da Record, Juliana conta os momentos de tensão que viveu. Com o rosto inchado, por ter sofrido múltiplas fraturas, ela afirma: “Ele só me batia. Se eu apagasse, eu acho que eu teria morrido. Ele foi do 16º andar até o térreo me agredindo”. Foram quase 2 anos de uma relação tóxica e abusiva que resultaram na tentativa de feminicídio.
“Os ossos da minha face estão quebrados. Foi uma tentativa de acabar com a minha vida. Eu queria que ele [Igor] soubesse que não deu certo. Eu estou viva. Sobrevivi a tudo isso para relatar, dar voz e visibilidade às mulheres que, infelizmente, não tiveram”, contou ela, emocionada.
A vítima não autorizou captação de imagens do rosto inteiro. Permitiu que parte da face aparecesse. Ela prefere ser lembrada com o sorriso de sempre.
Vítima tem 35 anos | Foto: Instagram/Reprodução/Para Juliana, o agora ex-namorado era muito controlador e sempre justificava os episódios de grosseria como uma forma de amor. Mas ela revela que sempre soube do histórico de agressão dele com outros homens. “Eu nunca pensei que comigo seria assim”, frisa.
Agressão anterior
Sete meses antes do ocorrido, Juliana havia sido agredida pelo ex-companheiro, que a empurrou contra o chão. Para não cair, ela teria puxado a camisa dele, descosturando três pontos do tecido. Uma marca roxa no joelho direito retrata o sofrimento.
“Ele chamou a polícia, dizendo que teria sido agredido. A polícia foi ao meu antigo endereço e perguntou se eu queria registrar uma ocorrência pela Lei Maria da Penha. Eu não quis, porque pensei que tinha sido impulso dele”, relembrou.
O que antecedeu as agressões?
Juliana estava empregada há duas semanas. Horas antes das agressões, no início do dia, o casal acordou e organizou as coisas no apartamento de dois quartos e 55m². Eles iam receber amigos na área de convivência.
“Quando já estávamos na área de lazer, ele pediu para eu falar com um amigo dele e perguntar se ele iria para o apartamento. O amigo dele respondeu que sim e eu falei a resposta. Ele [Igor] alegou que eu estava o traindo. Um outro amigo nosso já estava lá [no apartamento] e ele queria mostrar o meu celular a esse amigo. Eu fiquei indignada e pedi o aparelho de volta. Não queria que ele mostrasse minhas mensagens para ninguém”, contou.
Antes desse conflito, de acordo com o que conta a vítima, Igor já havia quebrado dois telefones dela. Nesse momento, ele virou e jogou o celular dela na piscina do condomínio. Ela afirma que pegou os pertences e foi sentar em um banco. Minutos depois, já quando a vítima estava no apartamento, no 16º andar, ele vai atrás dela.
O homem estava subindo pelo elevador social. Ela descia pelo elevador de serviço, o mesmo onde sofreria o ataque.
“A chave do apartamento estava comigo. A minha intenção era que ele não entrasse no meu apartamento e quebrasse tudo. Quando chegou lá em cima, os elevadores chegaram praticamente juntos e eu fiquei falando para ele descer e sair de lá. Ele disse que não sairia e que eu saísse do elevador. Eu sabia que fora do elevador não tinha câmera. Eu me recusei a sair, porque ele estava muito alterado”, contou.
Os socos
Às 16h01, no 16º andar, ele prende a porta do elevador e discute com a vítima, que solicita descer ao andar inferior. Ela ainda acena para a câmera do equipamento, ciente de que aquele ambiente é monitorado. Igor também o faz e diz que ela iria morrer.
Já às 16h04, Juliana leva vários os socos. A cena de selvageria acontece em apenas 36 segundos, enquanto o elevador desce até o térreo. Uma contagem regressiva marcada pela brutalidade.
Agressão dureou 36 segundos | Imagem: Instagram/Reprodução“Eu projetei o meu braço na frente do meu rosto para tentar me defender. Eu lembro que naquele momento o meu propósito era me manter viva. Eu não conseguiria ficar em pé, porque ele me derrubou. Eu queria me manter consciente, na medida do possível, porque se eu me entregasse, não estaria aqui contando essa história. Eu consigo lembrar que eu pedia para que ele não fizesse aquilo, para que parasse. Ele não dizia nada. Só me batia. Não tenho dúvida que ele queria me matar”, revelou.
Quando o elevador chega ao térreo, a imagem chocante é de Juliana toda machucada, enquanto o agressor ajeitava a sandália para deixar o equipamento. Naquele dia, a polícia chegou em 10 minutos. Ele foi preso em flagrante por tentativa de feminicídio.
Depoimento de Igor
No depoimento à polícia, ele disse que tudo aconteceu por conta de um surto claustrofóbico. A mão do agressor ficou completamente ferida por conta dos murros que desferiu contra a vítima.
Ele ainda disse "que foi à casa de Juliana para buscar os pertences pessoais dele, explicando que descobriu uma traição dela, porém ela não quis abrir o portão e depois a porta, já o deixando irritado. Contudo quando entraram no elevador, Juliana o xingou e rasgou a camisa dele, tendo Igor tido um 'surto claustrofóbico' e agredido Juliana".
Como está a vítima?
Naquele dia, Juliana foi atendida na urgência do Hospital Walfredo Gurgel (HWG), maior unidade da rede estadual do Rio Grande do Norte. Posteriormente, ela foi transferida para o Hospital Universitário Onofre Lopes, em Petrópolis, onde está até hoje. Esta instituição é vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e tem ligação com a Rede Ebserh.
A vítima está acompanhada da amiga Danúbia Karla Oliveira, de 36 anos. Na última sexta-feira (1º) ela passou por uma cirurgia de osteossintese para reconstruir a estrutura óssea do rosto. O procedimento durou 7 horas e foi conduzido pelo cirurgião bucomaxilofacial e implantodontista Kerlison Paulino.
Danúbia conversou com a reportagem da Folha de Pernambuco e contou que a amiga precisará fazer outros procedimentos e segue sem previsão de alta.
“Ela está evoluindo muito bem. Hoje já passou por fisioterapeuta, pela fonoaudióloga e pela bucomaxilofacial. Está esperando o psiquiatra e a psicóloga do hospital. Mas ainda sem previsão de alta. Eles ainda vão fazer alguns estímulos e ver a resposta inflamatória no pós-cirurgia antes de liberá-la”, explicou.
Ainda em entrevista à Folha, o cirurgião afirmou que encontrou muitas fraturas cominutivas, que são múltiplos fragmentos presentes nas diversas regiões atingidas e isso dificulta as fixações ósseas com placas e parafusos. A estrutura precisava ficar rígida o suficiente para a obtenção do melhor resultado. Para conseguir tal objetivo, a cirurgia foi extensa.
"O procedimento foi realizado com os objetivos de reestabelecer forma e função da face. Foram utilizados placas e parafusos para reconstrução das áreas atingidas, que foram as regiões zigomático-orbitária, que compreende a maçã do rosto direita; a órbita (estrutura óssea que abriga os olhos), a maxila (maxilar superior) e a côndilo (cabeça) da mandíbula do lado direito. Houve fratura nasal, porém sem deslocamento significativo. Também houve danos em outras estruturas de tecido moles associadas a estas regiões. Além disso, houve necessidade de colocação de uma malha de titânio na estrutura da órbita, para substituir o osso perdido e dar suporte ao globo ocular", comentou ele.
Agora, segundo Kerlison, a vítima já consegue falar, mas apresenta certa limitação devido ao edema pós-operatório. Essa condição está dentro do esperado. No entanto, permanecerá com dieta pastosa por um período mais longo do que o habitual, devido à severidade do caso. "Iremos evoluindo lentamente na dieta até que possa ingerir alimentação mais consistente", complementou.
Doações
Para arcar com os tratamentos médicos de Juliana, os amigos fizeram uma campanha de arrecadação online no site Vakinha que está sendo divulgada nas redes sociais. A meta é conseguir R$ 100 mil para pagar todos os tratamentos. Até agora, pela comoção nacional do caso, já foram doados R$ 86.212,99, resultado da ajuda de 1.978 pessoas.
Estatísticas de violência contra a mulher no Brasil
De acordo com o Mapa da Segurança Pública, levantado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, quatro mulheres são vítimas de feminicídio por dia no Brasil. Em 2023, o país teve 1.449 vítimas desse tipo de crime. Já em 2024, a quantidade subiu para 1.459. O acréscimo é de 0,69%.
Em Pernambuco
Segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), Pernambuco fechou 2024 com o maior índice de vítimas de violência doméstica e familiar do sexo feminino por região. Foram 54.222 ocorrências, sendo 9.811 no Recife, 16.590 na Região Metropolitana e 27.821 no Interior.
Veja o comparativo aos últimos dez anos
2014: 32.875 casos
2015: 30.347 casos
2016: 31.525 casos
2017: 33.448 casos
2018: 40.248 casos
2019: 40.248 casos
2020: 41.071 casos
2021: 41.530 casos
2022: 43.838 casos
2023: 52.375 casos
2024: 54.222 casos
De janeiro a junho de 2025, a Gerência Geral de Análise Criminal e Estatística da SDS registrou 48 casos de feminicídio. No mesmo período de 2024, foram registrados 42 casos em todo o estado.
Durante entrevista concedida à Folha na semana passada, a assessora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMUL), Andreza Gregório, revelou que as causas mais presentes nos casos de feminicídios estão relacionadas a homens que nutrem sentimento de posse e controle sobre a mulher.
"Muitos agressores não aceitam o fim do relacionamento, a autonomia da mulher ou qualquer atitude que eles interpretem como desafio à sua posição de poder. O término de um relacionamento nesse contexto apresenta um cenário de risco alto para ocorrência de um feminicídio. Deve-se ter atenção aos sinais que os agressores apresentam desde o início do relacionamento", destacou ela.
Sinais de um relacionamento abusivo
- Ciúme excessivo;
- Atos de controle sobre o corpo da mulher, vestimentas, bens e dinheiro;
- Atos de vigilância;
- Isolamento social e/ou familiar;
- Atitudes que a impeçam de trabalhar, estudar ou de buscar assistência médica;
- Humilhação;
- Diminuição da autoestima;
- Explosões de raiva incontroláveis;
- Ameaças contra a vítima, familiares, pessoas próximas ou até mesmo animais.
Ainda segundo a assessora, é comum que, assim como Juliana, algumas mulheres por medo, pressão ou dependência emocional e financeira, não queiram prosseguir com a investigação em casos de violência doméstica. No entanto, nos crimes mais frequentes em contexto de violência doméstica e familiar, como ameaça, lesão corporal e violência psicológica, o inquérito policial pode ser instaurado independentemente da vontade da vítima.
"Isso significa que, uma vez registrada a ocorrência, a investigação deve prosseguir mesmo que a mulher tente 'retirar a denúncia'. A Lei Maria da Penha [Lei nº 11.340/2006] visa proteger a mulher e garantir que a justiça seja feita, reconhecendo a vulnerabilidade em que muitas se encontram. Apenas em casos excepcionais é possível desistir do processo. Para tanto, deve ser feita em audiência no judiciário, analisando se a decisão é livre e consciente, que não está sob coação. Além dos meios legais para apuração e proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar, existem programas de apoio social e jurídico que a vítima poderá utilizar para se fortalecer e assim romper com o ciclo de violência", finalizou ela.
Onde buscar ajuda?
A Lei Maria da Penha estabelece que todo o caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado por meio de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público.
A violência contra a mulher pode ser manifestada das formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Em todos os casos, lembre-se que você não está sozinha e pode fazer a denúncia de diversas formas.
Veja como e onde receber acolhimento em caso de violência doméstica em Pernambuco
Ligue de forma gratuita para o 190: Polícia Militar de Pernambuco (PMPE). O serviço é disponível 24h por dia, todos os dias.
Ligue de forma gratuita para o 180: Central de Atendimento à Mulher. O serviço do Governo Federal fica disponível 24h por dia, todos os dias, e recebe ligações de todos os lugares do Brasil. Ele registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes.
Ligue de forma gratuita para o 0800.281.81.87: Ouvidoria da Mulher de PE. O serviço funciona até às 20h, depois desse horário é recomendado ligar para o 190.
A Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) dispõe de 15 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM). Algumas delas funcionam 24h por dia. Confira as unidades:
Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM)
- Recife (1ª Delegacia de Polícia da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Rua do Pombal, s/n, Praça do Campo, Santo Amaro.
Telefone: (81) 3184.3356 / 3184.3352
- Jaboatão dos Guararapes (2ª Delegacia de Polícia da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Rua Estrada da Batalha, s/n, Prazeres - 6º Batalhão.
Telefone: (81) 3184.3444 / 3184.7198.
- Petrolina (3ª Delegacia de Polícia da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Avenida das Nações, nº 220, Centro.
Telefone: (87) 3866.6625
- Caruaru (4ª Delegacia Especializada da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Rua Dalton Santos, nº 115, São Francisco.
Telefone: (81) 3719.9107 / 3719.9106
- Paulista (5ª Delegacia de Polícia da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Praça Frederico Lundgren, s/n, Centro
Telefone: (81) 3184.7075 / 3184.7077
- Cabo de Santo Agostinho (14ª Delegacia de Polícia da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Av. Conde da Boa Vista (antiga BR 101), S/N, Pontezinha.
Telefone: (81) 3184.3414 / 3184.3413
- Olinda (15ª Delegacia Especializada da Mulher) PLANTÃO 24H
Endereço: Avenida Governador Carlos de Lima Cavalcanti, 2405 - Casa Caiada.
Telefone: (81) 98663.6677
- Surubim (7ª Delegacia de Polícia da Mulher)
Endereço: Rua Santos Dumont, nº 85, Oscar Loureiro.
Telefone: (81) 3624.1983 / 3624.1984
- Goiana (8ª Delegacia de Polícia da Mulher)
Endereço: Rua 65, Loteamento Carvalho Feitosa, s/n, Centro.
Telefone: (81) 3626.8510
- Garanhuns (9ª Delegacia de Polícia da Mulher)
Endereço: Avenida Frei Caneca, nº 460, Centro.
Telefone: (87) 3761.8510/ (87) 3761.8507
- Vitória de Santo Antão (10ª Delegacia de Polícia da Mulher)
Endereço: Av. Henrique de Holanda, nº 1333, Redenção.
Telefone: (81) 3526.8789 / 3526.8928
- Salgueiro (11ª Delegacia Especializada da Mulher)
Endereço: Rua Antônio Figueiredo Sampaio, 93, no bairro Nossa Senhora das Graças.
- Afogados da Ingazeira (13ª Delegacia de Polícia da Mulher)
Endereço: R. Valdevino J. Praxedes, s/n, bairro Manoela Valadares
Telefone: (87) 3838.8713 / (87) 3838.8782
- Palmares (16ª Delegacia Especializada da Mulher)
Endereço: R. Cap. Pedro Ivo, 590 - Centro, Palmares
- Arcoverde (17ª Delegacia Especializada da Mulher)
Endereço: Rua Augusto Cavalcanti, 276 Centro da Cidade
Telefone: (87) 98877-2210
Serviços no Recife
A Prefeitura do Recife disponibiliza alguns serviços voltados para as mulheres vítimas de violência doméstica.
Centro de Referência Clarice Lispector
O local funciona 24h, todos os dias da semana, e conta com espaço para o abrigamento emergencial de usuárias em atendimento, acompanhadas ou não de filhos.
Endereço: Rua Doutor Silva Ferreira, 122, em Santo Amaro.
Serviço Especializado e Regionalizado - SER Clarice Lispector
O local acolhe mulheres em situação de violência, por meio de uma equipe multidisciplinar formada por duas assistentes sociais, duas advogadas, duas psicólogas e duas educadoras.
Endereço: Avenida Recife, nº 700, Areias.
Atendimento: 7h às 19h, de segunda a domingo
Salas da Mulher
As Salas da Mulher de cada Compaz são responsáveis pelo primeiro acolhimento das cidadãs.
Unidades do Compaz: Eduardo Campos (Alto Santa Terezinha), Ariano Suassuna (Cordeiro), Miguel Arraes (Praça Caxangá), Dom Hélder Câmara (Coque) e o recém-inaugurado Paulo Freire (Ibura).
Plantão WhatsApp (24 horas) para casos de violência doméstica: (81) 99488.6138.

