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ESTADOS UNIDOS

Centenas de crianças migrantes são retiradas de suas casas e colocadas sob custódia do governo Trump

Nova ofensiva da Casa Branca vem acompanhada do endurecimento sem precedentes das regras

Presidente dos Estados Unidos, Donald TrumpPresidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Foto: Mandel Ngan/AFP

O governo do presidente Donald Trump tem removido centenas de crianças migrantes de seus lares nos Estados Unidos e colocado sob custódia federal, muitas vezes separando-as de seus familiares e dificultando sua liberação, publicou a rede americana CNN nesta quarta-feira. A medida faz parte de uma nova ofensiva da Casa Branca para revisar o sistema de acolhimento infantil — e vem acompanhada de um endurecimento sem precedentes das regras para que pais ou responsáveis possam recuperar a guarda dos menores.

Trump e seus principais assessores criticam repetidamente o fluxo de menores que chegaram à fronteira sul do país sem pais ou responsáveis durante o governo de Joe Biden (2021-2025), alegando que milhares deles não foram localizados e podem estar em situações perigosas. Embora ex-integrantes da administração do democrata reconheçam que o aumento no número crianças e adolescentes em 2021 colocou imensa pressão sobre o sistema federal, eles e diversos especialistas na área contestam as alegações de que muitos estão desaparecidos.

Ainda assim, a ideia de que essa possibilidade existe motivou uma grande campanha do governo, que montou uma espécie de “sala de guerra” para analisar dados confidenciais e mobilizar autoridades federais para atuar nas casas dos menores por todo o país. Desde que Trump voltou à Casa Branca, em janeiro, agentes do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) já levaram cerca de 500 crianças e adolescentes para custódia do governo, segundo fontes ouvidas pela CNN.

Essas operações ocorreram por diversos motivos: seja porque as situações dos menores foram consideradas inseguras ou devido a ações de fiscalização de imigração contra os responsáveis das crianças, geralmente pais ou familiares. O FBI (Polícia Federal americana) participou de algumas dessas verificações, o que teria causado frustração dentro do próprio órgão, já que, segundo um oficial da lei, alguns agentes consideram que o objetivo parece ser encontrar parentes das crianças — pessoas que, de outra forma, não teriam motivos para serem investigadas ou presas.

— Essas chamadas ‘checagens de bem-estar’ são, na verdade, uma forma de repressão à imigração — afirmou Marisa Chumil, do Young Center for Immigrant Children’s Rights, que as descreveu como “um pretexto para localizar, interrogar e deportar crianças e suas famílias”.

Um porta-voz do FBI confirmou, em nota, que a agência está auxiliando outras entidades na condução dessas verificações de bem-estar de menores imigrantes, afirmando que “proteger crianças é uma missão crítica” para o órgão, que continuará “trabalhando com parceiros federais, estaduais e locais para garantir sua segurança”. O número de crianças e adolescentes levados para custódia, no entanto, é maior do que se sabia anteriormente e representa uma mudança sem precedentes em relação aos anos anteriores, quando essas ocorrências eram raras.

Novas medidas
Menores migrantes que chegam sozinhos aos Estados Unidos são colocadas sob os cuidados da Agência de Reassentamento de Refugiados (ORR, em inglês), do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, que opera abrigos em todo o país até que as crianças e adolescentes possam ser entregues a um responsável — geralmente familiar — já residente nos EUA. Atualmente, mais de 2,5 mil menores estão sob custódia da ORR.

O governo também implementou procedimentos adicionais de verificação que, segundo especialistas, tornaram praticamente impossível que alguns pais e responsáveis recuperem a guarda de crianças sob custódia do governo. Essas novas diretrizes dificultam a liberação dos menores, que viram o tempo médio em detenção saltar de 67 dias em dezembro de 2024 para 170 dias em abril deste ano. Autoridades reconhecem que esta é uma realidade — e, segundo uma fonte ouvida pela CNN, discussões internas têm abordado os impactos psicológicos disso para as crianças e adolescentes, considerando relatos crescentes de depressão.

Sob Trump, a agência passou a exigir comprovação de renda, documentos de identidade mais rígidos e testes de DNA dos responsáveis — medidas que, sobrepostas às verificações de antecedentes criminais já existentes, assustam especialmente aqueles que estão em situação migratória irregular. Uma ação judicial recente disse que “coletivamente, essas mudanças políticas resultaram na separação de crianças de suas famílias amorosas, com o governo negando sua liberação e prolongando desnecessariamente a detenção”.

— Está claro que essa política não tem a ver com segurança infantil. Ela visa desestimular os responsáveis, o que inevitavelmente levará milhares de crianças a permanecerem sob custódia do governo por ainda mais tempo — disse Lindsay Toczylowski, diretora da Immigrant Defenders Law Center. — É uma política que vai gerar um custo desnecessário para os contribuintes e prolongar separações familiares traumáticas para as próprias crianças que dizem querer proteger.

Separação familiar
Funcionários do governo Trump sustentam que as medidas visam proteger os menores e são necessárias, retratando a gestão Biden como desorganizada e ineficiente na condução do tema. Em nota, o Departamento de Segurança Interna (DHS) citou dois casos, incluindo o de um imigrante guatemalteco com antecedentes criminais que recebeu autorização para cuidar de um parente de 14 anos em 2023 e o de um homem que organizou o tráfico de uma criança para os EUA com destino à Virgínia, cobrando caro pela travessia.

Embora existam casos documentados de tráfico e extorsão de menores desacompanhados, especialistas que trabalham com eles alertam que o envio de agentes de imigração — e não de especialistas em bem-estar infantil — é preocupante. Dezenas de menores já receberam visitas de agentes de imigração em casa e foram interrogados sobre diversos assuntos, segundo prestadores de serviços legais. As perguntas incluíram sua jornada até a fronteira, frequência escolar e audiências de imigração.

— Se o objetivo é saber se as crianças estão em perigo ou precisam de ajuda, esse não é o caminho, porque as coloca numa situação em que tudo o que disserem pode ser usado contra seus pais ou familiares — disse Mark Greenberg, ex-alto funcionário do HHS que atuou em diversas administrações, à CNN.

Em março, o governo Trump disse que cancelaria um contrato que financia a representação legal de mais de 25 mil menores que entraram sozinhos nos EUA — decisão que foi posteriormente revertida após a má repercussão. Se colocado em prática, milhares de crianças e adolescentes — incluindo muitas de apenas 2 anos, sobreviventes de tráfico humano, traumas e abusos — poderiam ser devolvidas a países onde correm risco de sofrer danos após ficarem sem representação em procedimentos de imigração adversariais.

Crianças desacompanhadas começaram a chegar aos Estados Unidos em números significativos há cerca de uma década, vindas principalmente da Guatemala e de Honduras, dois países com altos índices de pobreza e violência. Com ajuda jurídica, muitas desses menores conseguiram o direito de permanecer nos EUA, provando que foram abandonadas ou perseguidas em seus países de origem.

Cerca de 800 mil menores desacompanhados foram colocados em abrigos supervisionados pelo ORR na última década, o que impôs enorme pressão à agência. Com a escalada no número de chegadas nos últimos anos, as crianças foram liberadas rapidamente para evitar superlotação, e em alguns casos os responsáveis adultos que se apresentaram para acolhê-las não foram devidamente avaliados. O novo governo fala em 300 mil crianças “desaparecidas”, mas não apresenta provas da alegação, aparentemente baseada apenas no fato de que esses menores não receberam notificação para comparecer ao tribunal.

— Eles podem estar usando as crianças como pretexto para atingir os adultos — disse Alexa Sendukas, advogada-chefe do Projeto de Imigração Galveston-Houston. — Se levarem as crianças sob custódia ou prenderem seus pais, será mais uma separação familiar. (Com New York Times)

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