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Sociedade

Combate à LGBTfobia: conscientização é base para transformar sociedade

Ações buscam transformar sociedade usando mecanismos pedagógicos para quebra do preconceito de gênero e de orientação sexual. Conheça também políticas públicas que vem sendo desenvolvidas

Para Acioli Neto, primeiro passo para Brasil mais tolerante está na educação das gerações futurasPara Acioli Neto, primeiro passo para Brasil mais tolerante está na educação das gerações futuras - Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

Andar na rua de mãos dadas, ir a um encontro em um bar, ver um filme no cinema, falar eu te amo são ações que parecem simples e, para a maioria das pessoas, direitos que passam despercebidos no cotidiano. No entanto, atitudes de afeto e demonstrações de expressão pessoal podem ser sentenças de morte para pessoas que não se encaixam no padrão da heterossexualidade no Brasil, considerado o país que mais mata de forma violenta pessoas LGBTQIA+ em todo o mundo.

De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), 291 mortes motivadas por LGBTfobia foram registradas em 2024, um aumento de mais de 8% em relação ao ano anterior. Além disso, segundo a Rede Trans Brasil, o país lidera, pelo 16º ano consecutivo, o ranking global de assassinatos de pessoas trans e travestis, com 105 homicídios registrados apenas em no ano passado.



Para enfrentar essa realidade e promover conscientização, o dia 17 de maio simboliza o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. Foi também em 17 de maio de 1990 que a Organização Mundial de Saúde (OMS) removeu a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). 

Para o sociólogo e coordenador geral do Instituto Boa Vista (IBV), Acioli Neto, o primeiro passo para um Brasil mais igualitário e tolerante está na educação das gerações futuras. “Precisamos retomar o debate sobre orientação sexual e identidade de gênero nas escolas. Falar sobre isso de forma didática, ensinando respeito. Essa é a porta de entrada para evitar o assédio, combater o machismo e a LGBTfobia”, destaca.

União e Comunidade
Com 15 anos de atuação, o IBV é uma das ONG’s de referência no Recife para promoção dos direitos da população sexodiversa. Fundada por Maria do Céu, a instituição atua no acolhimento da comunidade LGBTQIA+ com programas de inclusão, saúde e cidadania.

“Temos encontros mensais com homens gays acima de 50 anos para debater sobre temas referentes ao envelhecimento e à identidade gay. Já desenvolvemos ações de testagem de HIV em horários noturnos, para alcançar quem frequenta a boate e os bares da região. Também temos iniciativas voltadas à empregabilidade, especialmente para pessoas trans. Em parceria com o Senac, oferecemos formações profissionais para travesti“, explica Acioli.

Capacitação
Atualmente, o IBV está na terceira edição do projeto “Empresas Livres de Preconceito”, um fórum composto por empresas da Região Metropolitana do Recife que possuem núcleos de diversidade, como o Porto Digital, hotéis e a Ambev. A ideia é trocar experiências sobre inclusão no mercado de trabalho.

De acordo com o secretário de Direitos Humanos e Juventude do Recife, Marco Aurélio Filho, a escola é um dos lugares em que a gestão municipal tem somado esforços com ações pedagógicas voltadas para a quebra do preconceito de gênero e de orientação sexual. Além disso, o secretário também destaca o empenho feito nas campanhas dentro dos ambientes de trabalho. 

 
Carlos Santos lança livro que busca promover entendimento sobre diversidade sexual e de gênero"Apostamos no letramento pedagógico", informa Marco Aurélio Filho sobre ações realizadas pela PCR. Foto: Equipe SDHJ/Prefeitura do Recife 


“Temos desenvolvido ações com empresas. Em duas grandes obras, capacitamos mais de 300 trabalhadores como pedreiros e encanadores. Nesses locais ainda existe muito desconhecimento sobre como lidar com pessoas trans. Por isso, apostamos no letramento pedagógico, preferindo trabalhar a base da educação e da conscientização a partir do entendimento de que muitos não foram ensinados, e não necessariamente agem com maldade”, relata.

Violência
Com o aumento dos números de violência, com cerca de três a quatro casos semanais de agressões, segundo o secretário, a pasta tem juntado esforços para intensificar o trabalho de aprimoramento do funcionamento das estruturas já existentes de combate ao crime de ódio.

“Contamos com o Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT, porta de entrada para atendimento jurídico, psicológico e encaminhamentos sociais; e a Casa de Acolhimento Roberta Nascimento, que oferece abrigo a pessoas LGBT em situação de vulnerabilidade, como as vítimas de violência ou expulsas de casa. Estamos ainda reestruturando o centro e a Gerência da Livre Orientação Sexual (GLOS), mapeando atores envolvidos na rede de acolhimento e reforçando a geração de oportunidades. Destaco ainda que somos pioneiros na criação da plataforma Recife Sem Preconceito, voltada ao combate à LGBTfobia”, explica.

De acordo com o gestor Estadual da Política LGBTQIAP+ de Pernambuco, Denilson da Cunha, os principais tipos de violência notificados no estado tem origem no núcleo familiar.

"Além disso, há muitos relatos de LGBTfobia em escolas, contexto em que atuamos em parceria com a Secretaria de Educação, tanto com políticas de uso do nome social quanto no combate a discriminações. Também recebemos denúncias ligadas a unidades de saúde e a repartições públicas”, esclarece o gestor.

De acordo com Denilson da Cunha, principais tipos de violência notificados no estado tem origem no núcleo familiarDe acordo com Denilson da Cunha, principais tipos de violência notificados no estado tem origem no núcleo familiar. Foto: Ednaldo Lourenço/Divulgação

Desafios
Segundo Denilson um dos maiores desafios da gestão é lidar com a subnotificação dos casos de violência, apesar de Pernambuco contar com uma lei desde 2005 que prevê o levantamento de estatísticas. 

“Ao assumirmos, identificamos que o problema não está apenas na ausência de denúncias, mas principalmente na classificação incorreta dos dados. Para corrigir isso, estamos desenvolvendo o Sistema Estadual de Notificação de Violência, que permitirá organizar informações vindas da Secretaria de Defesa Social e de outros órgãos. Isso nos ajudará a construir políticas públicas mais assertivas”.

Além disso, também foi revisado o modelo físico do boletim de ocorrência, que agora inclui campos para identificação da orientação sexual e identidade de gênero. A meta é implementar essa atualização também no boletim online até o fim deste ano.

Direitos
Segundo o desembargador Élio Braz, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero e suas Interseccionalidades do TJPE, a instituição tem adotado medidas para garantir os direitos da população LGBTQIAPN+.

“Com atenção para o público interno e externo, o TJPE vem implementado ações que estruturam a política judiciária estadual de diversidade”, afirmou. 

Entre as iniciativas, estão a campanha “Gestos pela Igualdade”, a criação do Grupo de Trabalho da Diversidade e da própria Comissão. Segundo ele, essas ações visam “promover a equidade e garantir os direitos das pessoas LGBTQIA+ dentro do Poder Judiciário de Pernambuco”.

O desembargador também destacou que o TJPE tem adotado medidas específicas para acolher pessoas LGBTQIAPN+ vítimas de violência e discriminação. Entre elas, está a elaboração de um Plano Anual de Trabalho da Comissão, que orienta a criação de projetos e parcerias com instituições públicas e privadas voltadas à promoção de direitos. 

Além disso, será lançado um site da Comissão com acervo bibliográfico, informações sobre serviços de apoio e canais de contato. Outra iniciativa importante é o Formulário Rogéria, um instrumento que permite registrar situações de emergência ou risco iminente à comunidade LGBTQIAPN+ e serve como base para medidas judiciais. “Está sendo firmado alicerce sólido para uma eficiente efetivação do atendimento em várias frentes”, afirmou o desembargador.

Programação 
Neste sábado, das 10h às 14h, o Centro Municipal de Referência em Cidadania LGBT recebe ainda uma programação especial com ações de saúde, inclusão digital, oficinas, feijoada da diversidade e a inauguração da nova Sala de Inclusão Digital. 
Também hoje, o escritor, psicólogo, ativista pernambucano e cofundador da ONG Arco, Carlos Santos, realiza o lançamento do livro “Pequeno Grande Guia Anti-LGBTfobia”, às 18h, na Lara Fest, situada em Santo Aleixo, bairro de Jaboatão dos Guararapes.

Carlos Costa Carlos Santos lança livro que busca promover entendimento sobre diversidade sexual e de gênero. Foto: Luan Costa/Divulgação



A obra, com linguagem acessível e abordagem prática, busca promover o entendimento sobre diversidade sexual e de gênero e combater a discriminação cotidiana contra pessoas LGBTQIA+.

“Esse livro nasce de uma inquietação: a gente avançou muito enquanto movimento, mas ainda vivemos em bolhas. E a LGBTfobia não é um problema das pessoas LGBTs - é um problema da sociedade inteira. O livro vem pra quebrar esse ciclo, pra falar com quem está de fora da bolha, com quem quer aprender, com quem tem dúvidas e até com quem nunca teve contato com esse debate”, explica. 

“O guia é para professores, famílias, ativistas, estudantes, curiosos - é pra qualquer pessoa que queira construir um mundo mais justo, sem violência. Porque educação sobre diversidade transforma a sociedade, sim”, ressalta Carlos.

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