Logo Folha de Pernambuco
Educação

Democratização da IA no ensino público pretende reduzir diferenças educacionais

Pesquisadores a desenvolvem solução que pode ser usada sem dependência total da internet para otimizar ensino

Novas ferramentas envolvendo IA desplugada pretendem aprimorar as dinâmicas de aprendizado nas escolas públicasNovas ferramentas envolvendo IA desplugada pretendem aprimorar as dinâmicas de aprendizado nas escolas públicas - Foto: Freepik

O Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial. São mais de 8 milhões de quilômetros quadrados que abrigam, aproximadamente, 138 mil escolas públicas e cerca de 40 mil unidades de ensino particular. Nessas instituições estão matriculados mais de 40 milhões de estudantes de variadas realidades socioeconômicas.

O ensino fundamental público conta com 25,6 milhões de estudantes, de acordo com o Censo Escolar de 2022. Entre os números, estão as vidas de jovens que têm os destinos marcados pelas disparidades que permeiam o sistema, agora diante de uma nova transformação provocada pela Inteligência Artificial (IA)

Acesso

A pandemia evidenciou algumas diferenças. De acordo com o Censo Escolar de 2020, apenas 61% das escolas em áreas urbanas e 38% das rurais recebiam acesso adequado à internet. 

Menos da metade contava com laboratórios de informática funcionais. A saúde mental dos professores também é alvo de atenção, o que acaba  impactando no ensino.

Durante a pandemia da Covid-19, cerca de 67% relataram altos níveis de estresse e 40% sintomas de Síndrome de Burnout, segundo informações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Unesco. 

Barreiras

A partir da diferenças dos números e da precariedade do cenário, surgiu a inquietação dos pesquisadores que integram o Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), presente na International Conference on Artificial Intelligence in Education (AIED), realizada na CESAR School, em julho. 

A 25ª edição do evento teve como tema “IA na Educação para um Mundo em Transição” e também discutiu o desenvolvimento de novas tecnologias e o seu alinhamento com políticas educacionais. 
 
O NEES é vinculado ao Instituto de Computação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e trabalha em conjunto com parceiros como o Ministério da Educação para gerar novos conhecimentos, elaborar estudos e desenvolver soluções tecnológicas capazes de impactar positivamente o ecossistema educacional brasileiro.

Ig Bittencourt ressalta que NEES impacta políticas públicas voltadas para escolas, reduzindo desigualdade socialIg Bittencourt ressalta que NEES impacta políticas públicas voltadas para escolas, reduzindo desigualdade social. Foto: Arthur Mota / Folha de Pernambuco

Segundo Ig Bittencourt, um dos fundadores do NEES, são cerca de 1,2 mil membros, com mais de 150 doutores, lotados em 40 universidades parceiras, incluindo o Cesar School e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife. Fora do Brasil, o núcleo também conta com parcerias em Harvard e Oxford.

“Através da pesquisa provocamos desenvolvimento e inovação na educação, com foco nas tecnologias em IA. Todo esse trabalho impacta políticas públicas voltadas para as escolas, reduzindo a desigualdade social”, ressalta Ig.

Entre os colaboradores, Seiji Isotani, professor da Universidade de São Paulo (USP) e docente visitante na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

“É comum muitas pessoas acharem ser impossível desenvolver um projeto com IA em locais sem estrutura”, explica. “O que a gente faz no NEES é o contrário. Pensamos que precisamos inventar essa nova forma de criar tecnologia para quebrar as barreiras encontradas”. 

Para Seiji, democratização da tecnologia, aliada à IA, torna possível quebrar barreiras nos ambientes reaisPara Seiji, democratização da tecnologia, aliada à IA, torna possível quebrar barreiras nos ambientes reais. Foto: Clarice Melo / Folha de Pernambuco

Seiji é um dos responsáveis pela elaboração de projetos com inteligência artificial aplicada à educação desplugada. De acordo com o pesquisador, IA desplugada atua em tecnologias que podem ser utilizadas sem a dependência total da internet e manuseadas por pessoas com habilidades digitais básicas. 

“Se tirar uma foto no celular é fácil para a maioria das pessoas, então por que não criar algo utilizando IA que seja ativado pelo envio de uma fotografia?”, destaca.

Inovação

Foi dessa forma que surgiu o Acompanhamento Personalizado de Aprendizagem (APA), um aplicativo do NEES coordenado por Thiago Cordeiro e Rafael Mello que usa IA para aprimorar as habilidades de escrita dos estudantes da educação básica.

Motivada pelos baixos índices de português registrados na pandemia, a desigualdade tecnológica e a exaustão dos professores, a ferramenta faz a correção e o diagnóstico pedagógico de textos manuscritos dos alunos. Para receber o relatório, o professor precisa tirar uma foto e enviar ao sistema do aplicativo quando houver sinal de internet disponível.

“Para melhorar a escrita, os alunos precisam praticar, mas isso cria um aumento de demanda nos professores que já estão sobrecarregados. O APA faz essa correção e identifica os problemas no texto”, explica Seiji. 

O processo acontece por meio de Processamento de Linguagem Natural (PLN), que avalia automaticamente as redações de acordo com uma rubrica específica. 

No final, o professor recebe um relatório do nível que cada aluno está em relação a aspectos da escrita como coesão, fuga ao tema e pontuação, entre outros pontos. Assim, é possível planejar atividades focadas a partir dos diagnósticos individuais, melhorando as intervenções para recuperação da aprendizagem.

Matemática

A mesma motivação originou o Sistema Tutor Inteligente de Matemática Desplugado (MathAlde). O objetivo é similar: o professor tira uma foto do exercício respondido do aluno e envia para o sistema do aplicativo. A partir disso, a IA detec­ta e transcreve as equações, faz o diagnóstico dos erros e acompanha o aprendizado de cada estudante.

De acordo com Valmir Macário, a motivação do projeto partiu da piora nas taxas de aprendizado durante a pandemia. De acordo com Valmir Macário, a motivação do projeto partiu da piora nas taxas de aprendizado durante a pandemia. Foto: Clarice Melo / Folha de Pernambuco 

Segundo Valmir Macário, um dos coordenadores do projeto, os professores foram as peças-chave para a elaboração do sistema. “A gente conversou com muitos professores em grupos focais e eles nos deram muitas ideias de como desenvolver e aprimorar o software” .

O piloto do MathAlde envolveu 350 alunos e 20 professores em 100 turmas, corrigindo e ajustando planos de estudo para mais de 5 mil exercícios em quatro estados.

O APA impactou positivamente mais de 8 mil escolas de ensino fundamental, reduzindo o tempo entre avaliação e intervenção em sala de aula.

Para Seiji, a democratização da tecnologia, aliada à inteligência artificial, torna possível quebrar as barreiras nos ambientes reais, onde estão as pessoas que mais precisam de acessos. “Em todo esse processo, a gente aumenta a capacidade humana para eles fazerem um melhor trabalho”.

Veja também

Newsletter