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Educação

"É preciso estar motivado para se aprender", diz pesquisador espanhol especialista em neurociência

Hector Ruiz Martin aponta fatores emocionais como essenciais para se construir uma educação mais eficaz nas escolas

Héctor Ruiz Martín, pesquisador espanhol especialista em neurociência e psicologia da aprendizagem Héctor Ruiz Martín, pesquisador espanhol especialista em neurociência e psicologia da aprendizagem  - Foto: Divulgação

Como as emoções influenciam o aprendizado? Segundo o pesquisador espanhol Hector Ruiz Martin, da Universidad Autónoma de Madrid, compreender essa relação é essencial para construir uma educação mais eficaz.

Especialista em neurociência e psicologia da aprendizagem, ele afirma que a motivação é a chave para que alunos se engajem e consigam absorver melhor os conteúdos escolares.

— Aprender o tipo de coisas que são ensinadas na escola exige esforço e, para fazer esse esforço, é preciso estar motivado — disse Martins, autor do livro "Como Aprendemos?: Uma Abordagem Científica da Aprendizagem e do Ensino" (Editora Penso, 2024).

Em entrevista ao Globo, o pesquisador afirma que fatores emocionais moldam o desempenho acadêmico e avalia o uso da tecnologia em sala de aula.

Para ele, a solução para os desafios educacionais não está em proibir ferramentas como o celular, como o Brasil fez no início do ano, mas em orientar seu uso de forma pedagógica.

— O aprendizado depende do que o aluno faz com a informação que recebe. Estratégias eficazes fazem diferença — afirma.

Martins estará em Brasília na próxima semana para participar de evento promovido pelo Serviço Social da Indústria (SESI) e o Futura, da Fundação Roberto Marinho, que reunirá especialistas, educadores, gestores escolares e lideranças educacionais em um seminário para debater a educação integral, como parte da programação do Festival SESI de Educação.

Como a neurociência das emoções pode apoiar o projeto de construção de uma educação integral?
Saber como aprendemos é essencial para construir um projeto de educação integral.

Portanto, as neurociências, mas principalmente a psicologia, são disciplinas científicas que podem nos ajudar neste trabalho.

As emoções são um fator muito importante na aprendizagem, principalmente porque influenciam o nosso comportamento.

O conceito chave para relacionar emoções e aprendizagem é a motivação. Aprender o tipo de coisas que são ensinadas na escola exige esforço e, para fazer esse esforço, é preciso estar motivado.

Não é que estar motivado faça com que o nosso cérebro aprenda com mais facilidade: o que acontece é que quando estamos motivados para aprender algo dedicamos mais atenção, mais tempo e mais prática a isso, e é por isso que aprendemos melhor.

O aprendizado depende justamente do que o aluno acaba fazendo com as informações que fornecemos.

Quais fatores emocionais influenciam a aprendizagem?
O conceito mais importante relacionado às emoções e ao aprendizado é a motivação. Sob seu guarda-chuva podemos encontrar muitos fatores emocionais que acabarão por promovê-lo ou reduzi-lo.

Por exemplo, emoções relacionadas ao desempenho são aquelas que influenciam nossa motivação com base na nossa expectativa de sucesso ou fracasso em nossa tentativa de aprender algo. Obviamente, se achamos que iremos falhar, é muito provável que não nos sintamos motivados a tentar.

Essas emoções dependem em grande parte de nossas crenças sobre o que significa aprender, como somos como alunos, o que achamos que determina nossas habilidades.

Por exemplo, se eu assumir que erros são normais durante o processo de aprendizagem, terei menos medo de cometê-los e estarei mais aberto a tentar.

Se eu acreditar que adquirir uma habilidade é mais uma questão de talento do que de esforço, posso desistir assim que tiver dificuldades.

Embora o Brasil tenha bons resultados relacionados a pesquisas científicas, o país enfrenta desafios em indicadores internacionais, como o Pisa. Como o senhor vê essa discrepância e como solucionar?
Essas discrepâncias podem surgir porque os testes do Pisa refletem que a situação educacional do país em nível global não é boa, mas isso não significa que não haja pessoas bem preparadas para liderar projetos de pesquisa de qualidade.

Simplesmente haverá muito menos deles do que poderia haver. E não podemos esquecer que o desenvolvimento científico dependerá em grande parte dos recursos alocados à pesquisa.

Como resolver essa discrepância? Não poupando recursos para a educação, mas investindo-os em medidas efetivas: aquelas que se baseiam, justamente, na pesquisa.

Ciência e educação estão intimamente relacionadas, de forma bidirecional.

Uma lei federal proibiu o uso de celulares nas escolas do Brasil neste ano. O senhor acredita que a exposição a telas dificulta a educação das crianças?
Ao contrário da crença popular, a exposição às telas não é prejudicial por si só. O que realmente importa é como os dispositivos são usados.

O uso educacional da tecnologia pode ser benéfico, mas somente se realmente agregar valor. Usar a tecnologia na sala de aula para fazer exatamente a mesma coisa que era feita sem ela.

Por exemplo, colocar um livro na tela não faz sentido. Só torna o trabalho mais difícil. Em vez disso, usar recursos projetados para o aprendizado a partir de vídeos, animações e simuladores, usar aplicativos que fornecem feedback ao aluno e oferecem dados ao professor sobre seu progresso (para tomar decisões sobre como ajudá-lo) ou usar ferramentas de criação para aplicar o que foi aprendido podem ser usos muito produtivos.

Não acredito que a solução seja proibi-la, mas sim regular e orientar o uso da tecnologia para tirar proveito dela.

O senhor já disse que, infelizmente, “a pseudociência sempre supera a ciência na divulgação”. Como combater isso?
Sou um defensor do que chamamos de “educação baseada em evidências”. Ou seja, a ideia de que os líderes educacionais devem levar em consideração o conhecimento científico que pode ser relevante para melhor embasar determinadas decisões no campo da educação.

O problema é que as respostas que a ciência dá não são simples nem garantidas. Não podem ser, porque os problemas da educação são complexos e não há soluções simples.

Aí é que entra a pseudociência para oferecer soluções muito atraentes que rapidamente se espalharam pela comunidade educacional.

O problema é que eles não cumprem realmente o que prometem, e isso na educação pode significar uma perda significativa de tempo, oportunidade e, muitas vezes, dinheiro.

Cinco anos depois, é possível avaliar o impacto da pandemia da Covid-19 na aprendizagem?
Há vários grupos de pesquisa em diferentes países que fizeram isso e de fato o impacto foi muito negativo. Isso era de se esperar, pois estamos cientes dos efeitos de longos períodos sem atividade escolar, algo que acontece todo verão.

Nesse sentido, é bem conhecida a chamada “perda de verão”: o efeito que as férias de verão têm na aprendizagem escolar.

Estudos mostram que essa perda afeta os alunos de forma desigual, dependendo do seu nível socioeconômico, sendo aqueles de famílias com menos recursos os mais afetados.

Assim, o impacto diferencial das férias e o da pandemia da Covid permitem-nos valorizar o papel tão importante que a escola desempenha como promotora da integração social e da igualdade.

Afinal, a educação é uma das alavancas mais importantes de mobilidade social que temos.

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