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SAÚDE

Envelhecimento ativo: como viver com saúde física e mental após os 60 anos

Conceito criado pela OMS ainda nos anos 90 continua sendo a chave para o envelhecimento digno da população

Artur e Marise não deixaram a aposentadoria e a chegada dos 60 anos serem uma sentença para o sendentarismoArtur e Marise não deixaram a aposentadoria e a chegada dos 60 anos serem uma sentença para o sendentarismo - Foto: Felipe Ribeiro / Folha de Pernambuco

Aos 62 anos, Marise Burégio lembra com clareza da reação de muitas pessoas quando se aposentou do cargo de assistente administrativa da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), após 25 anos de trabalho. “Muita gente dizia que eu ia ficar em casa, quietinha, cuidando da família. Mas eu logo pensei: não é da minha natureza ficar parada, eu precisava procurar algo para fazer”, recorda.

O marido, Artur Burégio, 64, que havia se aposentado da carreira de contador na Caixa Econômica Federal pouco antes dela, compartilhou do mesmo impulso. A vida, para eles, não poderia se resumir a uma rotina de televisão e sedentarismo.

O casal encontrou nas atividades ao ar livre e no contato com a cultura a receita para transformar a nova etapa em uma fase vibrante.

A partir do desejo de não ceder aos estereótipos da rotina pacata que pode surgir após os 60 anos, o dia a dia dos dois passou a ser repleto de atividades envolvendo caminhadas, pilates, leituras, campeonatos esportivos, cursos, aulas de dança e programações focadas em movimentar o corpo e a mente.

“Quero me sentir sempre disposto a fazer as coisas que eu fazia antes. Sei que o tempo passa, mas acredito que, se a gente se cuida, consegue continuar fazendo muita coisa. Isso me motiva bastante”, afirma Artur, que ainda hoje joga futebol em um time de veteranos do antigo trabalho. Ao longo dos seis anos de atividade no time, já foram cinco medalhas conquistadas em campeonatos nacionais.

“O time é coisa séria, temos rotina de treino, técnico profissional e disputamos contra outros clubes de veteranos da Caixa todo ano nas olimpíadas dos aposentados. Além de me manter ativo, também é um ótimo momento de socialização com os colegas que já não vejo com a mesma frequência. Para mim, a melhor parte é sempre o pós-jogo, onde nos reunimos para brincar sobre os momentos da partida, falar sobre os ‘perebas’, as quedas engraçadas e vangloriar os melhores que fizeram gols. É sempre revigorante”, conta. 

A história dos Burégio não é isolada, ela dialoga com um movimento cada vez mais forte no Brasil e no mundo, o do envelhecimento ativo, criado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda no final da década de 90 e consolidado em 2002, durante a II Assembleia Mundial sobre o Envelhecimento, em Madri. A ideia surgiu como resposta ao envelhecimento acelerado da população mundial e à necessidade de repensar o papel das pessoas idosas na sociedade. 

A rotina de exercícios de Artur e Marise começou com a mudança de hábitos após a aposentadoria. Foto: Felipe Ribeiro / Folha de Pernambuco

Segundo dados da própria OMS, em 2050, uma em cada seis pessoas no planeta terá mais de 60 anos. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) projeta que a população idosa dobrará nas próximas três décadas, chegando a quase 30% do total de habitantes. Esse cenário impõe um desafio: como garantir que viver mais também signifique viver melhor?

Artur e Marise gostam de  iniciar o dia sempre com o pilates e musculação. A rotina, que não tinha espaço para acontecer na época em que trabalhavam, agora se tornou prioridade.

“Se não faço exercícios, sinto mais cansaço e o corpo pesado. Já nos dias em que treino, percebo nitidamente que estou mais animado, com mais disposição para encarar as atividades”, diz Artur. “Ali eu trabalho com equilíbrio, relaxamento e consigo me desligar dos problemas do dia a dia. É um espaço onde cuidamos do corpo, mas também da mente”, completa Marise.

A educadora física Mayara Estephane, professora de pilates do casal, explica que o que os dois relatam tem respaldo científico.

“O exercício físico é extremamente necessário depois dos 60 anos porque ajuda a recuperar parte da força e da massa muscular que se perdem naturalmente com a idade. Ele melhora o equilíbrio, a resistência e aumenta a independência do idoso nas tarefas do cotidiano. Além disso, treinar em grupo reforça vínculos sociais e diminui o risco de depressão e declínio cognitivo”, observa.

MayaraExercício físico melhora equilíbrio, resistência e aumenta independência do idoso, reforça Mayara. Foto: Divulgação. 

A geriatra Andréa Figuerêdo reforça a importância dessa prática regular.

“O movimento é uma espécie de remédio natural. Mantém os músculos fortes, melhora os ossos, reduz quedas e fraturas, e ainda protege o cérebro contra demências. Quem se mantém ativo vive mais e com mais autonomia”.

Segundo a médica, não existe uma única fórmula. Caminhadas, hidroginástica, musculação, yoga, dança ou pilates são boas opções, mas o segredo está na regularidade e no prazer em praticar.

Andréa Figueiredo"Quem se mantém ativo vive mais e com mais autonomia”, afirma a geriatra Andréa Figuerêdo. Foto: Ed Machado/Folha de Pernambuco. 

Corpo e mente

No caso de Marise, a aposentadoria trouxe também a chance de redescobrir hobbies e interesses intelectuais. Leitora assídua, ela participa de feiras de troca de livros, clubes de leitura e retoma práticas manuais como artesanato e tapeçaria.

“Os livros são uma verdadeira moeda de conhecimento. Hoje leio por prazer, biografias, romances, autoajuda. Isso me traz curiosidade e me faz aprender algo novo a cada dia”, conta.

Hoje ela frequenta a UFPE não mais para trabalhar, mas para aprender uma nova forma de expressão dentro do Núcleo de Apoio ao Idoso (NAI), onde encontra no curso de teatro uma paixão diária e uma válvula de escape para a sua criatividade.

“Cada ensaio é um momento de diversão, aprendizado e socialização. Lá encontrei pessoas da minha faixa etária, com quem compartilho experiências e risadas”, diz. Para ela, o segredo é ocupar o tempo com atividades que tragam sentido. “Minha lição é simples: não tenha vergonha de ser feliz”.

O psicólogo Paulo Silva explica que essa postura tem efeitos profundos sobre a saúde mental.

“A partir dos 60, muitas pessoas se deparam com a aposentadoria e com filhos já independentes. Esse é o momento de ressignificar o lugar que ocupam no mundo. Atividades físicas, artísticas e manuais promovem neuroplasticidade, liberam neurotransmissores ligados ao prazer e combatem a depressão. É o reconhecimento de que ainda se é potência, de que ainda há muito a viver e produzir”, afirma.

Políticas públicas

Apesar de histórias inspiradoras como as de Marise e Artur, nem todos os idosos brasileiros conseguem usufruir dessas oportunidades.

O país ainda enfrenta barreiras estruturais para que toda a população tenha direito ao envelhecimento com dignidade e saúde.

A cientista social Liana Lewis destaca que, embora haja uma transformação cultural que valoriza o envelhecimento ativo, as desigualdades sociais e urbanas limitam o acesso.

“Como esse idoso vai se locomover em um transporte público sucateado, por exemplo? Faltam políticas que garantam cidades mais acolhedoras e acessíveis, capazes de incluir os idosos no espaço social como um todo”, afirma.

Ela lembra que, no passado, os mais velhos ficavam restritos ao círculo familiar. Hoje, iniciativas como a NAI, onde Marise participa com as aulas de teatro e programas como a Academia da Cidade, da Prefeitura do Recife, ampliam horizontes, mas ainda alcançam uma parcela limitada da população.

“É essencial que o prolongamento da vida proporcionado pela medicina seja acompanhado por políticas que assegurem sociabilidade, pertencimento e qualidade de vida para todos os idosos”, completa.

As ideias de Liana vão de encontro com o que diz a OMS a respeito do envelhecimento ativo, onde o objetivo é enxergar o progresso da idade da população como uma responsabilidade ampla e social, incorporando cidadania, participação comunitária e segurança.

Além dos esportes, os dois também dedicam tempo par atividades culturais. Foto: Felipe Ribeiro / Folha de Pernambuco

Assim, envelhecer ativamente, de acordo com a instituição, é mais do que envelhecer de forma saudável fisicamente, mas sim uma estratégia global da para que o aumento da expectativa de vida seja acompanhado por qualidade, dignidade e participação social.

Sociabilidade

Se há um ponto em comum nas falas de todos os especialistas é que manter-se ativo vai além da saúde física. O aspecto social é decisivo.

Estudos recentes publicados na revista britânica de medicina Lancet Public Health mostram que o isolamento social pode ser tão nocivo quanto fumar ou ser fisicamente inativo, aumentando em até 30% o risco de declínio cognitivo.

Liana lembra que a sociologia já mostrou a importância da integração social para o bem-estar.

“Durkheim, pai da sociologia, destaca que o que leva ao suicídio não é apenas o sofrimento psíquico, mas sobretudo a falta de vínculos sociais. Quando o idoso está bem integrado à sociedade e à comunidade, encontra sentido para a sua vida. Essa integração resulta em mais qualidade de vida e satisfação”, afirma.

A geriatra Andréa Figuerêdo resume: “Amizades e conexões não são um extra, são parte essencial da saúde”. Para Artur, isso se comprova em campo. “Jogar futebol com o time de aposentados não é apenas competir, é reencontrar amigos e sentir alegria.” Já para Marise, as conexões acontecem nas rodas de leitura e nas aulas de teatro. “Cada encontro é uma troca que me fortalece”.

A narrativa de Marise e Artur evidencia uma mudança geracional. “Minha geração viveu muitas limitações, especialmente para as mulheres, que tinham menos oportunidades de escolher o que queriam fazer. Hoje, incentivo todas a buscarem aquilo que lhes dá prazer”, diz Marise.

O psicólogo Paulo Silva reforça que esse processo também envolve combater o etarismo, ainda presente na sociedade. “É preciso ressignificar o envelhecer, não como fim, mas como um lugar de produção ativa. Terapia e novos vínculos ajudam nesse reposicionamento”, afirma.

Paulo Silva, psicólogo"Esse é o momento de ressignificar o lugar que ocupam no mundo”, atesta o psicólogo Paulo Silva. Foto: Beatriz Freitas / Divulgação.

Para Mayara Estephane, a mensagem é clara: nunca é tarde para começar. “Com acompanhamento e orientação, mesmo quem nunca praticou exercícios pode encontrar uma atividade adequada e segura. O importante é dar o primeiro passo”.

Longevidade

Com o envelhecimento em ritmo acelerado de um  país que, segundo o IBGE, até 2043 terá mais idosos do que crianças na composição de sua população, será preciso a formulação de novas políticas de saúde, lazer e transporte, mas também uma mudança de mentalidade.

A cientista social Liana Lewis destaca que o envelhecimento não deve ser encarado como um desafio a ser superado, mas um ciclo natural que pode ser vivido com dignidade e prazer.

O exemplo de Artur e Marise sintetiza uma mudança cultural que deve ser a virada de chave para o envelhecimento das novas gerações, onde o avanço da idade não significa a obrigatoriedade de se recolher, mas sim uma nova chance de se reinventar.

“Queremos continuar ativos, curiosos e em movimento. A idade pode avançar, mas a vida não precisa parar. Eu ainda tenho muita vontade de viver”, resume Marise.
 

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