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Especial

Graça Maria Brennand era uma matriarca forte e conciliadora

Tendo vivido quase um século, Gracita Brennand conviveu com maestria e inteligência emocional com as diferentes gerações. Por isso mesmo era adorada pelos netos e bisnetos

Gracita administrou uma família. Soube lidar com a casa, as atividades de gastronomia e dos trabalhos sociaisGracita administrou uma família. Soube lidar com a casa, as atividades de gastronomia e dos trabalhos sociais - Foto: Divulgação

Numa sociedade tão patriarcal como é a brasileira, Graça Maria Brennand brilha como matriarca. Matriarca no sentido bem mais amplo, compreensivo e generoso do que essa dicotomia sugere. Inclusive como provedora da família inteira.

Matriarca como sinônimo também de fortaleza, que tão precoce e tragicamente perdeu a mãe. Que se casou tão cedo. Que teve de enfrentar uma das maiores tristezas humanas: a perda de um filho no vigor ao mesmo tempo da juventude e da maturidade. Mais do que uma sublimação, a criação do Instituto Ricardo Brennand serviu, entre tantas outras coisas luminosas, de catarse também dessa perda. Se não era possível imaginá-la sem o marido, quando o destino o levou, ela se obrigou a somar mais uma perda, ela soube resistir e crescer. Continuar a viver não como substituta dele, mas como alguém que prosseguiu na sua “missão”, no comando da família, o seu maior bem.

Vida longa, família imensa, casa gigante. Ela administrou tudo isso.  O seu domínio era o lar inteiro. Sem abrir mão da cozinha, de dimensão industrial. Do gosto e da competência por preparar dezenas de refeições diárias. De escrever até um livro sobre suas principais receitas.

Convivência com todos os tempos
Tendo vivido quase um século, fez uso de grande inteligência emocional para lidar com as diferenças das diversas gerações. Por isso mesmo era adorada pelos netos e bisnetos. Com eles aprendeu a importância de adaptar-se a outros tempos, costumes e práticas, a modernizar-se.

Na sua discrição e modéstia, seu vigor sem necessidade de ênfases, conciliou a simplicidade a um grande senso de responsabilidade e de envolvimento com a comunidade.  

Literalmente, ela recebe em casa reis e rainhas, príncipes e princesas. Com a mesma naturalidade com que atendia na creche dela, apaixonada que era pelas crianças. Tão respeitosa com monarcas quanto com os funcionários da família e das empresas.

Quando ela ficou doente, o seu marido, Ricardo, procedeu ao mesmo tempo como o mais humilde dos cristãos e o mais visionário dos reis. Mandou construir não algo como o Taj Mahal que Shah Jahan fez para homenagear a esposa. Escolheu algo muito mais modesto e adequado: uma capela. Uma igreja.

Passaram então a ter uma espécie de catedral dentro da casa deles, e que combina a arte popular com peças importadas da Europa, e mescla estilos. O projeto é do arquiteto Augusto Reinaldo Alves Filho, o designer técnico de Edgard Ulisses de Farias Filho.

Capela guarda obras-primas
Ali estão reunidas obras que incluem o virtuosismo do desenho de Cavani Rosas – 14 anjos moldados –, a imagem central de Elias Sultanum, os vitrais de Suely Cisneiros Muniz, as rosáceas de Sérgio Mantur, as talhas do Mestre Nido, e obras de outros artistas. Todo primeiro e terceiro domingo do mês são celebradas missas no local, sempre abertas à participação da comunidade.

Essa capela que pode ser vista como uma igreja que sonha com uma catedral é, ao mesmo tempo, ex-voto e oferenda. A Fé, a Esperança e a Caridade dão-se as mãos. Como desde a mais remota juventude se deram Ricardo e Graça. Ele, com talento para o design e para a coleção, influenciou no interesse dela por ambas as coisas.

Num espaço concebido, desenhado por ele, uma impressionante coleção de crucifixos, de santuários, de madonas. Desta vez o colecionador não é ele, mas ela. Aqui, como em tantos lugares, coleção rima com devoção.

Antigamente, era comum nas residências das famílias de posses o chamado quarto dos santos, o santuário. Imagens, esculturas de santos, genuflexórios. As famílias podiam bem reunir-se ali para rezar. De preferência no mês de maio. Que foi o mês, não por acaso, do casamento de Graça e Ricardo.

Os santos, visíveis ou invisíveis, estão por toda a casa. Quarto, sala de jantar... Ela cuidou de que fosse assim antes. E continua a cuidar, de outra maneira, agora.

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