Mapeamento Cerebral: como fica o estudo que ajuda a detectar doenças que antes eram enigmáticas
Técnica é considerada pelos profissionais 'essencial' para identificar condições complexas relacionadas ao funcionamento
Compreender o funcionamento do cérebro humano é uma das tarefas mais complexas que a ciência enfrenta. Este trabalho de profundo significado científico e médico tem intrigado historicamente os profissionais. A razão? Compreender o órgão mais complexo do corpo promete lançar luz sobre uma ampla gama de áreas que vão desde cognição e comportamento até saúde mental e doenças neurológicas.
Uma das abordagens mais encorajadoras nesta busca esperançosa é o mapeamento cerebral. Um conjunto de técnicas avançadas de neurociência com as quais os cientistas conseguiram identificar padrões de atividade neuronal que se correlacionam com diversas funções cognitivas e emocionais.
De acordo com a definição estabelecida em 2013 pela Society for Brain Mapping and Therapeutics (SBMT), o mapeamento cerebral é especificamente definido como o estudo da anatomia e função do cérebro e da medula espinhal através do uso de imagens, imuno-histoquímica e optogenética, células biologia materna e celular, engenharia, neurofisiologia e nanotecnologia.
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A instituição ressalta que o principal objetivo do mapeamento cerebral é identificar a localização de tudo que está no cérebro. “É um projeto enorme que envolve múltiplos campos de pesquisa biomédica e tecnologia de ponta cara”, destacam da SBMT.
“O mapa é assimilado a uma topografia do cérebro através da qual é possível ver que parte deste órgão faz o quê e com que intensidade”, explica Ramiro Fernández Castaño, neurologista especializado em neurologia cognitiva e medicina do sono. Os jogos de futebol terminam e os profissionais analisam o mapa de calor de determinado jogador e percebem que ele teve mais atividade em uma determinada área do campo do que em outra.
Não só desperta a curiosidade científica, mas também tem profundas implicações no campo da medicina, pois só compreendendo como funciona o cérebro em condições normais podemos começar a discernir as diferenças subtis que escondem certas doenças neurológicas e psiquiátricas. Ao mesmo tempo, abre caminho para o desenvolvimento de tratamentos mais específicos e eficazes e para o diagnóstico precoce de condições que antes eram enigmáticas.
Matías Baldoncini, neurocirurgião da Universidade de Buenos Aires, explica que o mapeamento cerebral mostra áreas do cérebro que tendem a estar envolvidas em funções semelhantes na maioria das pessoas, como processamento visual, auditivo e motor. Embora se destaque que diferenças individuais também são observadas na organização e função cerebral, o que pode ser devido a fatores genéticos, experiências de vida e outros fatores. “Isso significa que, embora existam padrões gerais de atividade cerebral, cada pessoa tem um cérebro único em termos de conectividade e funcionamento específicos”, diz ele.
Complexidade e ilusão
O cérebro é um enigma. Sabe-se que contém bilhões de neurônios – hoje a melhor estimativa gira em torno de 86 bilhões – e um número semelhante de células não neuronais. Somado a isso, o número de interconexões ou sinapses, por meio das quais os neurônios se comunicam por meio de sinais químicos e elétricos, é ainda maior e ficaria próximo de 125 bilhões. Embora o cérebro adulto médio pese apenas 1.500 gramas e tenha um volume aproximado de 1.350 cm3, em seu interior existe um universo secreto.
Aurora Health Care, um provedor de saúde integrado e sem fins lucrativos que atende comunidades norte-americanas, afirma que o mapeamento cerebral permite que especialistas diagnostiquem doenças crônicas como a doença de Parkinson e planejem cirurgias para doenças agudas, como tumores cerebrais. “Com a tecnologia avançada de mapeamento cerebral, eles podem ver a localização precisa das funções cerebrais individuais (fala, memória e movimento) para determinar os tratamentos apropriados e, se a cirurgia for necessária, definir uma estratégia cirúrgica ou de navegação para evitar lesões cerebrais necessárias para funções críticas”, destaca.
Técnicas:
Como explica o Dr. Baldocini, existem diversas técnicas para realizar o mapeamento cerebral, que variam em termos de resolução espacial e temporal. Alguns dos mais comuns incluem o seguinte.
Ressonância magnética funcional (fMRI): Esta técnica mede alterações no fluxo sanguíneo cerebral, que se correlaciona com a atividade neuronal. Ele permite que você veja a atividade cerebral em repouso e em resposta a diferentes estímulos.
Eletroencefalografia (EEG): Mede a atividade elétrica do cérebro usando eletrodos colocados no couro cabeludo. Oferece alta resolução temporal, tornando-o ideal para estudar a atividade cerebral em tempo real.
Magnetoencefalografia (MEG): Semelhante ao EEG, mas mede os campos magnéticos gerados pela atividade elétrica do cérebro. Também oferece alta resolução temporal e é usado para estudar a atividade cerebral com grande precisão.
Tomografia por emissão de pósitrons (PET): Ele usa substâncias radioativas para monitorar o fluxo sanguíneo e o metabolismo cerebral. Demonstra atividade metabólica em diferentes áreas do cérebro.
Tomografia computadorizada (TC): Fornece imagens detalhadas da estrutura cerebral por meio de raios X. Embora menos utilizado para mapeamento funcional, pode ser útil para visualizar lesões ou anormalidades estruturais.
Sobre o auxílio que essa técnica proporciona nas cirurgias neurológicas, Baldocini destaca que o mapeamento cerebral é extremamente valioso. “Em cirurgias cerebrais, especialmente aquelas que envolvem a remoção de tumores, epilepsia ou distúrbios neurológicos, pode ser essencial preservar áreas funcionais críticas do cérebro”, garante.
A Universidade da Califórnia relata que existem dois tipos de utilização do mapeamento cerebral em intervenções cirúrgicas: com o paciente acordado ou dormindo. O mapeamento do cérebro acordado é a maneira mais precisa de identificar e proteger regiões cerebrais críticas durante a remoção do tumor. Os pacientes geralmente precisam desse procedimento se seus tumores estiverem localizados perto de regiões linguísticas, motoras ou sensoriais do cérebro. Portanto, manter o paciente acordado durante parte da cirurgia permite que a equipe médica monitore as respostas ativas do paciente. Por exemplo, o mapeamento da linguagem exige que os pacientes respondam a perguntas e sejam submetidos a vários testes de fala. O mapeamento motor pode incluir tarefas como mexer os dedos dos pés ou bater os dedos.
“O método em que o paciente fica acordado é eficaz porque se for necessário retirar um tumor próximo à área motora, o profissional irá retirá-lo com segurança, pois pode delimitar a parte exata que está afetada e não tocar na parte que permite a pessoa movimenta o braço ou a perna”, detalha o Dr. Fernández Castaño.
Por outro lado, nos tipos de mapeamento cerebral em que o paciente dorme sob anestesia geral, os cirurgiões usam um estimulador portátil para aplicar uma pequena corrente elétrica na superfície exposta do cérebro. Os efeitos da estimulação direta são observados sem a necessidade de respostas verbais do paciente. E da mesma forma, feitas nas áreas motoras do córtex, as contrações musculares ocorrem na parte apropriada do corpo (por exemplo, perna ou braço).
Segundo a instituição de ensino, as contrações musculares podem ser observadas visualmente, mas são detectadas de forma mais robusta com a eletromiografia (EMG) , técnica que utiliza eletrodos para medir a atividade elétrica de cada músculo. Usando essas ferramentas, a equipe de neurocirurgia pode remover o máximo possível de tumor cerebral, evitando locais críticos no cérebro que controlam o movimento do corpo.
Por fim, Fernández Castaño destaca que o método também pode ser útil no campo da psicologia ou da psiquiatria, pois os profissionais podem observar as áreas do cérebro relacionadas à motivação ou ao desejo de fazer as coisas e detectar se estão mais diminuídas ou perceber onde eles se manifestam. “Assim, por exemplo, em pacientes com depressão percebe-se que essas áreas estão diminuídas e que possuem menos conexões neurais do que quem não tem esse estado psicológico”, explica. Desta forma, os pacientes beneficiam porque podem ter tratamentos mais eficazes e precisos que os orientem para um estado de bem-estar.