Dom, 07 de Dezembro

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DESABAFO

Papa Francisco lamentou não poder lavar os pés dos detentos em última visita à prisão em Roma

Sergio Alfieri, cirurgião que acompanhou o Pontífice durante sua última e longa internação, disse que Francisco sabia que seu fim estava próximo

Papa Francisco durante uma visita privada à prisão 'Regina Coeli' Papa Francisco durante uma visita privada à prisão 'Regina Coeli'  - Foto: divulgação/AFP

Durante os quase 40 dias de internação do Papa Francisco por uma pneumonia bilateral, entre fevereiro e março deste ano, o cirurgião Sergio Alfieri se tornou praticamente o único porta-voz médico do estado de saúde do Pontífice. O médico conta que construiu com ele uma relação especial desde que se conheceram, em 2018, quando Francisco tratava problemas intestinais. O último encontro entre os dois aconteceu no último sábado.

Sergio Alfieri e Papa Francisco se viram depois do almoço, na véspera do Domingo de Páscoa. Na ocasião, o Pontífice lamentou não ter conseguido lavar os pés dos detentos da prisão Regina Coeli, em Roma, durante a última ida ao local — que visitava anualmente — na Quinta-feira Santa. À imprensa italiana, o cirurgião deu detalhes dos últimos momentos do Papa.

— Posso dizer que ele estava muito bem, e ele mesmo me disse isso. Levei uma pasta frola escura [torta doce muito apreciada na Itália], como ele gostava, conversamos um pouco e ele me disse: “Estou muito bem, retomei meu trabalho e isso me faz bem”. Sabia que no dia seguinte ele daria a bênção urbi et orbi, e marcamos de nos ver na segunda-feira — contou Alfieri.

Mas segunda-feira foi o dia em que o Papa faleceu, às 7h35 (horário local), após um AVC que provocou coma e falha cardíaca irreversível, conforme confirmou o Vaticano naquela mesma noite.

— Ele estava feliz por ter ido à prisão de Regina Coeli na Quinta-feira Santa. Mas percebia que o corpo já não acompanhava mais a cabeça. Lamentava não ter conseguido lavar os pés dos detentos. “Desta vez não consegui”, foi a última coisa que me disse — relatou o médico.

Ele confirmou também, como muitos que o conheciam já supunham, que o Papa, desde a primeira cirurgia do cólon em 2021, sempre pediu aos médicos que evitassem o que chamava de “encarniçamento terapêutico”:

— Durante a última internação, pediu expressamente que não fosse intubado em nenhuma circunstância.

Para Alfieri, não foi errado que o Papa tivesse desobedecido a recomendação de ao menos 60 dias de convalescença, retomando o trabalho e fazendo saídas arriscadas ao fim da missa para o Jubileu dos Enfermos, à prisão de Regina Coeli, à Basílica de Santa Maria Maior e outras.

— Foi o certo. Ele é (disse no presente) o Papa. Voltar ao trabalho fazia parte da terapia e ele nunca se expôs de verdade aos perigos. É como se, ao se aproximar do fim, ele tivesse decidido fazer tudo o que precisava ser feito. Como aconteceu no domingo, quando aceitou a sugestão de Strappetti de dar uma volta entre a multidão na Praça de São Pedro. Ou como fez dez dias antes, quando me pediu que organizasse um encontro com todas as pessoas que cuidaram dele. Eu disse que eram 70 pessoas, e que talvez fosse melhor fazer isso depois da Páscoa, ao fim da convalescença — contou.

De fato, à época, aquela audiência chamou a atenção e pareceu contraditória, já que haviam lhe recomendado evitar reuniões com grupos grandes. Mas a resposta de Francisco foi direta: “Recebo-os na quarta-feira”.

— Hoje tenho a sensação de que ele sentia que precisava fazer uma série de coisas antes de morrer.

Em entrevistas aos jornais Corriere della Sera e La Repubblica, Alfieri contou que, ao chegar a Santa Marta na manhã da última segunda-feira – quando Francisco faleceu –, viveu momentos dramáticos. O Papa já havia entrado em coma, não havia mais nada a ser feito, detalhou.

Na madrugada de segunda-feira, o enfermeiro pessoal do Papa, Massimiliano Strappetti, achou que era necessário levá-lo novamente ao hospital Gemelli. Mas já não havia mais o que fazer.

— Na segunda-feira, por volta das 5h30, Strappetti me ligou: "O Santo Padre está muito mal, precisamos voltar ao Gemelli". Coloquei todos em alerta e 20 minutos depois estava em Santa Marta. No entanto, me parecia difícil pensar que uma internação fosse necessária — disse: — Entrei no quarto e ele estava com os olhos abertos. Verifiquei que não havia problemas respiratórios e então tentei chamá-lo, mas ele não respondeu. Não reagia a estímulos, nem mesmo aos dolorosos. Nesse momento, entendi que não havia mais nada a fazer. Estava em coma.

Alfieri confirmou ainda que, como qualquer pessoa, o Papa preferia morrer em casa.

— Corríamos o risco de fazê-lo morrer durante o traslado [ao Gemelli], e expliquei que uma internação teria sido inútil. Strappetti sabia que o Papa queria morrer em casa, ele sempre dizia isso quando estávamos no Gemelli — revelou: — Morreu sem sofrimento, e em sua casa. Quando estava no Gemelli, ele não dizia ‘quero voltar a Santa Marta’, dizia ‘quero voltar para casa.

Após a morte, Alfieri permaneceu no quarto da suíte 201 de Santa Marta ao lado de Massimiliano Strappetti, do outro enfermeiro pessoal, Andrea Rinaldi, dos secretários e de outros assistentes.

— Depois todos chegaram e o cardeal [Pietro] Parolin nos pediu que rezássemos e rezamos com ele um terço. Me senti um privilegiado e agora posso dizer que fui mesmo. Naquela manhã, fiz-lhe um carinho como última despedida — relembrou, sem esconder a emoção.

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