Seg, 08 de Dezembro

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Terremoto em Mianmar: conheça o "trabalho nobre" dos crematórios budistas

Quase 300 cadáveres foram levados ao crematório, cujos funcionários tiveram que trabalhar seis horas a mais do que o horário habitual

Um trabalhador transporta o corpo de uma vítima para ser cremado no Cemitério Aye Yate Nyein em Kyar Ni Kan, nos arredores de MandalayUm trabalhador transporta o corpo de uma vítima para ser cremado no Cemitério Aye Yate Nyein em Kyar Ni Kan, nos arredores de Mandalay - Foto: Sai Aung MAIN / AFP

Um bebê nasceu após o terremoto em Mianmar e, dois dias depois, foi entregue às chamas do ritual de cremação budista, sem que sua família pudesse dar um nome à criança. A mãe grávida foi derrubada pela força do terremoto enquanto trabalhava em um arrozal e deu à luz no dia seguinte, disse a avó Khin Myo Swe. O bebê foi levado para um hospital de Mandalay para ser incubado, mas morreu na segunda-feira.

— Estamos vivendo com dificuldades — lamentou Khin Myo Swe enquanto um socorrista carregava o pequeno corpo até uma estátua de Buda decorada com flores, e depois para o crematório.

Após o terremoto de magnitude 7,7 na região central de Mianmar, o número de mortos chegou a 2.056 e teme-se que mais corpos estejam sob os escombros dos prédios devastados na segunda principal cidade do país.

 

Desde o tremor de sexta-feira, ambulâncias têm transportado corpos para o crematório do bairro de Kyar Ni Kan, nos arredores de Mandalay.

Mortos e feridos
Quase 300 cadáveres foram levados ao crematório, cujos funcionários tiveram que trabalhar seis horas a mais do que o horário habitual.

Um veículo entra em alta velocidade. Seus ocupantes relatam que estão carregando o corpo de uma menina de 16 anos que morreu no terremoto. A trouxa de pano estendida em frente ao crematório é menor do que a de uma adolescente comum, e um dos homens vomita enquanto retorna ao veículo.

Nay Htet Lin, líder de outra equipe de quatro homens que carregou cerca de 80 cadáveres desde o tremor, conta: — No primeiro dia do terremoto, ajudamos os feridos a chegar ao hospital (...) No segundo dia, só carregamos cadáveres.

A cremação é um componente central da fé budista, cujos fiéis acreditam que ela libera a alma do corpo e facilita o renascimento em uma nova vida. Em algumas culturas asiáticas, aqueles que lidam com os mortos são considerados pessoas à margem da sociedade. Mas para Nay Htet Lin, esse é um "trabalho nobre".

— Estamos fazendo o que os outros não podem. Teremos uma boa próxima vida — diz ele.

Um funcionário que trabalha há 15 anos no crematório não se arrepende de sua escolha, embora tenha testemunhado muita angústia. — Todos vêm aqui com sentimentos de tristeza, com seu sofrimento — comentou o homem de 43 anos, que pediu anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa.

Oferendas
Muitas equipes de resgate se concentraram na parte urbana de Mandalay, onde complexos de apartamentos desabaram, um centro budista colapsou e hotéis ficaram em ruínas. Em alguns locais, o cheiro de corpos em decomposição é perceptível.

O neto de Khin Myo Swe foi o 39º corpo levado na segunda-feira. Ela contou que a mãe da criança não havia sido informada da morte de seu bebê.

— Tive que mentir para minha filha, disse a ela que levei o bebê ao hospital. Se eu lhe contar a verdade, tenho medo de que o choque a mate também — admitiu Khin Myo Swe, de 49 anos. — Enviarei comida para o monastério como oferenda para a alma do bebê.

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