Veja quais grupos do conclave possivelmente apoiaram o Papa Leão XIV
Após o almoço na Casa de Santa Marta, Robert Prevost conseguiu um consenso massivo no quarto turno das votações
A iniciativa de um setor conservador que pretendia retornar a uma Igreja "institucional" e colocar ordem na "confusão" criada pelos 12 anos e 39 dias de pontificado do Papa Francisco não funcionou. Pietro Parolin, o grande favorito para suceder Francisco, acabou sendo mais um cardeal que entrou em um conclave — assim como em 2013 — cujo resultado foi uma surpresa.
Desta vez, o eleito foi Robert Francis Prevost, o primeiro Papa nascido nos Estados Unidos, mas, ao mesmo tempo, peruano, um latino-americano. Ele precisava obter 89 votos dos 133 e conseguiu isso em tempo recorde, com o apoio dos cardeais que defendem o legado de seu antecessor.
O Papa Leão XIV escolheu um nome que já é um programa e indica claramente que continuará o caminho de priorizar a justiça social e o legado de Jorge Bergoglio, seu antecessor. Foi Papa Leão XIII (1878-1903) que, pela primeira vez, em sua encíclica Rerum Novarum, falou dos trabalhadores em plena Revolução Industrial, dando origem à moderna doutrina social da Igreja.
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"Se o trabalhador recebe um salário suficiente para sustentar a si mesmo, sua esposa e seus filhos, desde que seja prudente, facilmente se inclinará a poupar e a fazer o que a própria natureza parece aconselhar: reduzir as despesas, de modo que sobre algo para construir um pequeno patrimônio”, escreveu Leão XIII. "O direito à propriedade deve ser considerado inviolável. Portanto, as leis devem favorecer esse direito e prever que a maioria da classe trabalhadora possua alguma propriedade. Isso traria vantagens significativas e, sem dúvida, uma distribuição mais equitativa da riqueza", acrescentou ele, em uma encíclica promulgada em 15 de maio de 1891 — mais do que relevante no mundo atual.
"Paz" foi a primeira palavra dita nesta quinta-feira por Robert Francis Prevost, o Papa Leão XIV, em seu primeiro discurso na sacada da Basílica de São Pedro, no Vaticano, onde não mencionou sua cidade natal, Chicago, nos EUA, mas sim do povo da diocese peruana de Chiclayo.
“A violência das revoluções civis dividiu as nações em duas classes de cidadãos, abrindo entre elas um imenso abismo. De um lado, a classe poderosa, por ser rica, monopoliza a produção e o comércio, explorando para seu próprio conforto e benefício todo o poder produtivo da riqueza. De outro, a multidão indefesa e débil, com as almas dilaceradas e prontas a qualquer momento para se revoltar”, afirmou também Leão XIII. E num mundo que o Papa Francisco considerava mergulhado numa “Terceira Guerra Mundial em pedaços”, ele não se cansava de apelar à paz.
Além de falar de paz, Leão XIV, falou de uma Igreja missionária, com diálogo, justiça, caridade e humanidade. Disse também de uma Igreja sinodal, a grande aposta de Francisco, hostilizada e nunca compreendida por seus detratores e por aqueles que queriam recuar, apoiando a candidatura do seu braço direito, Parolin, que, embora sempre leal ao seu líder supremo, não escondeu que não compartilhou vários dos seus processos de abertura da Igreja à realidade concreta de hoje.
Prevaleceu neste conclave — além dos ataques a Francisco, que havia falecido poucos dias antes, feitos nos primeiros dias do processo por cardeais em quem ele inicialmente confiava, que criticaram sua reforma da Cúria, permitindo que uma mulher ou um leigo seja prefeito-emérito (um deles foi o cardeal Beniamino Stella, estrategista da campanha de Parolin ) — o desejo de caminhar juntos e avançar com a Igreja inclusiva e menos hierárquica de Jorge Bergoglio.
Nos últimos dias, as congregações têm clamado por um novo Papa que seja um “pastor, profético e próximo às feridas de hoje”. Um perfil muito diferente do que entrou como favorito, o Parolin, que nunca teve experiência pastoral à frente de uma diocese.
Após o almoço na Casa de Santa Marta, no Vaticano, — onde os cardeais ficaram durante o conclave, realizando reuniões, conversas e negociações — Prevost conseguiu um consenso massivo no quarto turno das votações. Ele precisava obter 89 votos dos 133 e conseguiu isso em tempo recorde, com o apoio dos cardeais que não queriam uma reversão. Mas provavelmente também de vários cardeais que, em um mundo polarizado como o de hoje, preferiram projetar uma imagem de unidade dentro da Igreja Católica.
Prevost contava com o apoio de cardeais americanos e latino-americanos progressistas e, provavelmente, da maioria dos 23 cardeais asiáticos, que — após terem votado na primeira rodada no outro grande favorito, o cardeal filipino Luis Antonio Tagle — vendo que seu consenso não poderia aumentar e que Prevost também contava com um pacote substancial de votos no primeiro escrutínio, optaram por ele nas votações seguintes.
"Tudo é possível"
Em entrevista, após a segunda fumaça preta no início da manhã de quinta-feira, o cardeal Sean O'Malley, arcebispo emérito de Boston — onde ganhou destaque por sua luta contra o abuso sexual clerical — e candidato papal no conclave de 2013, disse que Prevost poderia ser o candidato surpresa. No entanto, O'Malley não votou neste conclave por ter mais de 80 anos.
— Acredito que tudo é possível. Já tivemos papas da Alemanha, Polônia e Argentina. Um Papa dos Estados Unidos não pode ser descartado. É verdade que, no mundo de hoje, é mais difícil para um americano ser eleito, mas não impossível — disse o cardeal.
O'Malley, que participou das reuniões pré-conclave com todos os cardeais com mais de 80 anos, também deixou claro que a maioria pretendia seguir o caminho pioneiro do Papa Francisco. Ele destacou a internacionalização do colégio de cardeais eleitores de 71 países que Francisco alcançou, dando origem a "novas e diferentes perspectivas".
— No passado, éramos muito eurocêntricos, mas essa Igreja é coisa do passado — acrescentou O'Malley, que é presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, criada pelo Papa Francisco.
O'Malley, um capuchinho simpático de barba branca, deixou claro que a grande maioria dos cardeais não queria recuar.
— Todos reconhecem a importância do papado e isso ficou claro pela reação internacional que vimos à morte do Papa Francisco. O funeral demonstrou a importância do ministério petrino, que vai além da Igreja em um mundo onde falta liderança, mas com tanta polarização. A voz profética do Santo Padre é fundamental porque pode levar a mensagem do Evangelho ao mundo inteiro, de ajuda aos últimos, de paz, de justiça, além de ser um serviço à humanidade. E, acima de tudo, o Papa Francisco, com sua personalidade e desejo de proximidade, teve um enorme impacto fora da Igreja. Acho que os cardeais querem que isso continue com o próximo Papa — concluiu.

