Atuação de ex-assessora de Lira com emendas foi detalhada em depoimentos de parlamentares
Ex-presidente da Câmara não é investigado; caso está sob a relatoria de Dino no STF
Depoimentos prestados à Polícia Federal por deputados e um senador detalham um suposto esquema de direcionamento e execução irregular de emendas parlamentares que antecedeu a operação deflagrada nesta sexta-feira contra Mariângela Fialek, conhecida como Tuca, ex-assessora do então presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL). Os relatos, colhidos ao longo de 2024, apontam pressão política, envio de planilhas sem identificação de autoria e centralização das decisões sobre a destinação de recursos bilionários.
Arthur Lira não é alvo da operação. Procurados, ele e Fialek não se manifestaram.
Além dos depoimentos, a investigação colheu outras provas, como dados extraídos de telefones celulares.
À PF, o deputado José Rocha (União-BA) afirmou que, ao assumir a presidência de uma comissão responsável por emendas do Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional, recebeu da presidência da Câmara, por meio de Mariângela Fialek, minutas de ofícios e planilhas já prontas para assinatura. Segundo ele, os documentos indicavam a destinação de R$ 1,125 bilhão em recursos, mas sem informar autores das emendas, objetos ou beneficiários.
No depoimento, Rocha relatou que chegou a encaminhar uma das listas ao ministério, mas decidiu reter outras após identificar valores elevados sem detalhamento. Um dos casos citados envolvia R$ 320 milhões destinados a Alagoas.
— Recebi uma relação com R$ 320 milhões para Alagoas, sem dizer o que ia ser feito nem quem era o autor. Essa eu segurei — disse o deputado, em relato que também repetiu em entrevista ao Globo.
Segundo Rocha, a retenção das planilhas provocou reação do então presidente da Câmara. Ele afirmou que Arthur Lira telefonou cobrando a liberação dos recursos e o advertiu sobre o risco de destituição da presidência da comissão.
"Ele disse que eu estava criando problema e que eu sabia que poderia ser destituído da comissão por uma moção de desconfiança da minha bancada — afirmou à PF. — Disse a ele que tinha sido colega do pai dele, a quem respeitava muito, mas que ele não merecia o meu respeito", contou à PF.
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Alagoas como prioridade
O deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) confirmou à PF que foi procurado por José Rocha no plenário da Câmara, quando ouviu o relato das pressões sofridas. Segundo ele, a lista de emendas priorizava Alagoas e interesses políticos ligados a Arthur Lira.
"Ele recebeu uma lista para liberar emendas que priorizava o estado do Arthur Lira. Quando não executou, recebeu uma ligação com ameaça de voto de desconfiança para tirá-lo da presidência da comissão", afirmou Glauber à PF.
No depoimento, o parlamentar disse que a operacionalização das emendas de comissão passou a reproduzir a lógica do orçamento secreto, com controle concentrado na presidência da Câmara. Ele citou especificamente o município de Rio Largo (AL), que, segundo afirmou, recebeu volumes “escandalosos” de recursos, inclusive por meio de comissões que não tinham deputados alagoanos entre seus integrantes.
Ouvida como testemunha, a servidora da Câmara Elza Carneiro dos Santos Figueiredo afirmou à PF que houve uma tentativa de encaminhar ofícios de emendas assinados pelo vice-presidente da comissão enquanto José Rocha estava em viagem, procedimento que, segundo ela, fugia do padrão administrativo.
Elza relatou que questionou a iniciativa e entrou em contato com Rocha, que disse não ter autorizado a substituição. Pouco depois, segundo a servidora, ela foi retirada do cargo de secretária da comissão, decisão que atribuiu a uma articulação política ligada à presidência da Casa, embora tenha afirmado não poder apontar responsáveis diretos.
Sem discussão formal
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou à PF que a destinação das emendas de comissão nunca foi discutida formalmente nos colegiados. Segundo ela, os recursos eram distribuídos por decisões tomadas “de cima”, sem transparência.
"Eu dizia que não era laranja de ninguém. Todo mundo tinha que saber para onde o dinheiro ia", disse em depoimento."
Ela disse ainda que só tomou conhecimento de possíveis direcionamentos após reportagens na imprensa, já que o tema não era submetido à deliberação dos parlamentares.
O senador Cleitinho (Republicanos-MG) afirmou à PF que passou a desconfiar da atuação de intermediários após ser abordado por pessoas que se apresentaram como representantes de uma ONG interessada em “parcerias” para emendas, mesmo sem vínculo com seu estado.
— Fiquei com a impressão de que havia gente rodando gabinetes para pedir emenda — relatou.
A operação deflagrada nesta sexta-feira foi autorizada pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, no âmbito de uma investigação que apura suspeitas de desvios na execução de emendas parlamentares. Mariângela Fialek é apontada nos autos como responsável pela operacionalização do esquema, com base nos depoimentos e na quebra de sigilo telemático.

