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CÂMARA FEDERAL

Decisão de Ramagem abre margem para parlamentares cogitarem tentar suspender ações no STF

Interpretação da Corte, contudo, tem sido de limitar alcance de instrumento usado para beneficiar deputado acusado de tentativa de golpe

Alexandre RamagemAlexandre Ramagem - Foto: Reprodução/X

A ofensiva da Câmara Federal para paralisar o julgamento de Alexandre Ramagem (PL-RJ) no Supremo Tribunal Federal (STF) abriu margem para parlamentares enrolados com a Justiça tentarem trilhar o mesmo caminho. Na prática, deputados que respondem a ações penais na Corte cogitam pedir o mesmo tratamento que o colega para suspender os processos enquanto estiverem no mandato.

O pedido de suspensão do julgamento de Ramagem, aprovado pela Câmara, tem como base o artigo 53 da Constituição que trata sobre fatos ocorridos após a diplomação. Para especialistas, contudo, o precedente pode gerar uma espécie de tentativa de “salvo-conduto” parlamentar para casos como o de Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA), ambos do PL, acusados de corrupção passiva e organizações criminosa por desvios de emendas.

Josimar e Pastor Gil eram deputados na época em que ocorreram os episódios pelos quais são acusados, o que daria margem para usarem o mesmo argumento para pedirem a suspensão de suas ações. De acordo com a acusação apresentada pela Procuradoria-Geral da República em agosto do ano passado os deputados, além do suplente Bosco Costa (PL-SE) solicitaram a um prefeito do interior do Maranhão, em 2020, "vantagem indevida" no valor de R$ 1,6 milhão, em troca da indicação de R$ 6,6 milhões em emendas.

Ao mesmo tempo, no União Brasil, o presidente do partido, Antonio Rueda, afirmou à colunista do Globo Bela Megale que, se a denúncia contra deputado federal Juscelino Filho (MA) for recebida, ele irá entrar com o pedido no parlamento. O PL, partido de Bolsonaro, é uma das siglas que tem estimulado o União Brasil a acionar a Câmara no caso de Juscelino. O foco do partido é aumentar a pressão contra o STF com outros casos e pressionar a corte sobre as ações que envolvem Ramagem e também a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).

— Essa prática pode gerar controvérsias, uma vez que pode ser vista como uma forma de proteção excessiva que pode levar à impunidade. Há um debate sobre o equilíbrio entre a proteção das funções parlamentares e a necessidade de responsabilização por atos ilícitos — afirmou o advogado criminal e diretor do Justa, Cristiano Maronna.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), pediu nesta terça-feira ao STF que a decisão da Casa pela suspensão do processo da tentativa de golpe contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) seja mantida. Motta quer ainda que o assunto seja analisado pelo plenário da Corte. Na semana passada, a Câmara havia votado pela suspensão do processo contra o parlamentar e outros envolvidos por tentativa de golpe de estado e deterioração de patrimônio, além de outros crimes, em decisão que alcançaria todos os réus, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Como o Globo mostrou, no entanto, ministros do Supremo avaliam que o recurso não tem chances de prosperar.

Já na segunda-feira, a defesa de Zambelli pediu para o STF suspender o julgamento contra ela, até que a Câmara analise se a ação penal contra Zambelli deve ser paralisada. O ministro Alexandre de Moraes já negou a solicitação.

Por outro lado, o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), denunciado por difamação, injúria e coação contra o ministro do STF Alexandre de Moraes acredita que usar o recurso, no seu caso, seria “esticar demais de a corda”, o que poderia tensionar as relações entre os poderes.

— Ainda não acionei o meu partido para isso, nem se quer envolvi o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Estou tentando um caminho de diálogo para chegar a um entendimento — disse Otoni ao Globo.

Especialistas avaliam que a Câmara extrapolou suas funções ao suspender a ação penal da trama golpista em relação a todos os réus, e não apenas ao deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Eles consideram, no entanto, que há um debate sobre quais crimes podem ser alcançados pela decisão, já que é possível defender que toda a suposta ação criminosa se concretizou apenas nos atos golpistas do 8 de janeiro, após a diplomação de Ramagem como deputado.

A Constituição determina que, caso uma denúncia contra um deputado ou senador "por crime ocorrido após a diplomação" seja recebida pelo STF, a respectiva Casa pode optar por "sustar o andamento da ação".

Ademar Borges, professor do IDP, considera que a medida tomada no caso Ramagem foi "um ato inexistente", porque a Casa Legislativa não tem o poder de avaliar ações penais de pessoas que não são parlamentares.

— O vício é tão grave, dessa decisão que, na verdade, é um ato inexistente. Porque quem tomou a decisão não tem nem a competência inicial, pela Constituição, para sequer se referir a ações penais de pessoas que não são parlamentares.

Professor da FGV Direito Rio, Álvaro Jorge afirma que a Câmara não pode usar um instrumento de defesa do mandato parlamentar para beneficiar outras pessoas.

— Claramente a decisão da Câmara, no que toca à extensão dos efeitos aos demais réus, ela extrapolou o poder da Câmara. Essa prerrogativa está dentro do contexto das imunidades parlamentares, é uma proteção do parlamentar. Não me parece possível você querer sustentar que essa prerrogativa de proteção dos parlamentares seja extensível aos demais réus.

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