Ex-número dois de Torres diz no STF que negou pedidos para aumentar policiamento da PRF em 2022
Fernando de Sousa Oliveira afirmou ainda que foi contra viagem de Torres aos EUA antes do 8/1
Ex-diretor de operações do Ministério da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal na gestão do bolsonarista Anderson Torres, Fernando de Sousa Oliveira buscou se descolar do ex-chefe durante seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira e disse ter sido contra uma série de ações e pedidos de Torres. Ambos são réus na ação penal da trama golpista e integrantes do chamado núcleo 2 da denúncia da Procuradoria-Geral da República.
Fernando de Sousa Oliveira negou conivência com um policiamento direcionado da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no segundo turno das eleições de 2022, mas admitiu que houve pedidos de Torres para reforço policial da PRF no segundo turno das eleições, que ele diz não ter atendido. A PGR afirma na denúncia que houve a intenção de realizar operações policiais ilegais da PRF para impedir ou dificultar o voto de eleitores de Lula, em especial da região Nordeste.
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No STF, Sousa Oliveira negou também ter responsabilidade pelo policiamento falho no 8 de Janeiro e disse que foi contra a viagem de Torres aos Estados Unidos na véspera dos atos antidemocráticos. Ele afirmou que a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) não cumpriu o Protocolo de Ações Integradas (PAI) previsto para evitar os ataques de bolsonaristas a prédios públicos na ocasião. O ex-secretário-executivo mencionou, por diversas vezes, a negativa do coronel Fábio Augusto Vieira, ex-comandante da PMDF e réu pelo 8 de Janeiro, em aceitar apoio da Força Nacional.
Sousa Oliveira foi o número dois de Torres quando este ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, em janeiro de 2023, e o substituía durante os atos antidemocráticos do 8 de Janeiro. O ex-ministro afirma que estava nos Estados Unidos, de férias, na ocasião.
Em seu depoimento, Sousa Oliveira disse que nunca teve "nenhum contato pessoal, nenhum relacionamento, nenhum convívio" com o Anderson Torres, ainda que tenha ocupado cargos de confiança nas gestões do ex-ministro à frente da pasta da Justiça e na Secretaria de Segurança Pública.
8 de Janeiro
Sousa Oliveira disse que só ficou sabendo da viagem de Anderson Torres aos EUA no dia 5 de janeiro de 2023 e que, no dia seguinte, pediu que o então secretário de Segurança Pública fosse informado no dia seguinte. Afirmou, também, que não foi formalmente apresentado ao comando da Polícia Militar nem ao governador Ibaneis Rocha porque Torres havia dispensado atividades de transição.
— Pedi a reconsideração da viagem. Ele (Torres) tinha total ciência do que poderia vir a acontecer (o 8 de Janeiro). Ele demonstrava bastante confiança na Polícia Militar — disse Fernando de Sousa Oliveira. Ele afirmou que, quando Torres avisou que iria viajar, já havia o planejamento de ações policiais para evitar ações de vandalismo.
Sousa Oliveira disse que não assumiu o lugar de Torres oficialmente porque o chefe não havia pedido autorização de Ibaneis para viajar e que a ausência do secretário não foi publicada no Diário Oficial.
O ex-secretário-executivo também diz ter pedido ao Ministério da Justiça reforço da Força Nacional, que foi negado pela Polícia Militar.
— A Polícia Militar era responsável pela execução da operação, especificamente pelo depto de operações. Simplesmente a polícia militar deixou de cumprir diversas ações previstas no PAI. É um protocolo vinculativo, as ações previstas ali deveriam ter sido obrigatoriamente cumpridas. A Polícia Militar não cumpriu as ações estabelecidas e houve desalinhamento meu com a polícia em razão de um pedido meu de reposição de efetivo na Esplanada — afirmou. Ele diz não saber o porquê da negativa da PM aceitar apoio da Força Nacional ou não cumprir os protocolos de segurança.
Policiamento ilegal da PRF
Uma das principais provas contra Sousa Oliveira, Torres e contra a Marília Ferreira Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, são mensagens que corroboram o planejamento de um direcionamento político do policiamento da PRF publicadas em um grupo de Whatsapp chamado "EM OFF". As mensagens foram encontradas pela PF no celular de Fernando de Sousa Oliveira.
De acordo com a denúncia, Marília solicitou a elaboração de um projeto de Business Intelligence (ferramenta de análise de dados) voltado aos resultados eleitorais para "coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos municípios da Região Nordeste" e o enviou ao grupo de Whatsapp.
Após o primeiro turno, a então diretora de inteligência do Ministério da Justiça teria ordenado ao analista Clebson Ferreira de Paula Vieira que coletasse os dados de municípios em que Lula tivesse mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Em depoimento às autoridades, Vieira confirmou a ordem e disse que "a PRF agiu no dia das eleições com base nos BIs do declarante (Vieira), tanto para saber onde estava o efetivo quanto para saber para onde direcionar o efetivo; (...) as ações da PRF seriam blitz em municípios ou próximas a municípios nos quais o então candidato Lula tivesse votação acima de 75%", a maioria na região Nordeste.
Sousa Oliveira diz que teve conhecimento da elaboração do projeto e que Marília lhe enviou o documento em um grupo do Whatsapp, mas diz que não o acessou.
— Fiquei sabendo do BI por meio da dra Marília, ela tinha recebido essa demanda do secretário e do ministro. Fiquei sabendo quando ela comentou que estava fazendo, (mas) não participei da confecção. (...) Não tive acesso. Foi disponibilizado no grupo (de Whatsapp), a doutora Marília enviou, mas eu não me recordo de ter acessado esse BI em nenhum momento — disse Sousa Oliveira.
Em 13 de outubro de 2022, Marília enviou mensagem no grupo EM OFF afirmando: "belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” (sic) e “menos 25.000 votos no 9”, em alusão ao favoritismo de Lula no município da Baixada Fluminense. Em seguida, pergunta a Sousa Oliveira qual seria o próximo passo sobre os relatórios. Ele, então, responde: "52 x 48 são milhões 5 de votos para virar". Marília diz, então, que o ministro Anderson Torres tinha pressa e que “Leo (Garrido, coordenador de operações na PF) disse que só vai fazer a bahia”, em possível alusão a um policiamento direcionado no estado do Nordeste.
Para a PGR, "está claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado (Bolsonaro) fosse afastado do poder".
Em seu depoimento, Sousa Oliveira disse que o grupo "era privado, não oficial" e que era usado principalmente para "marcar happy hour", embora admita que "tinham pontualmente algumas questões profissionais" abordadas no grupo.
Sobre as mensagens acerca de Belford Roxo, o ex-diretor de operações diz que as mensagens foram tiradas de ordem e de contexto e que seu comentário não tinha a ver com o município, mas sim com os números de uma pesquisa eleitoral. Segundo ele, Marília "ficou responsável pelo monitoramento de crimes eleitorais e a suposta participação de facções" nas eleições e compartilhou no grupo uma reportagem que citava possível coação a eleitores na cidade fluminense.
— Havia indícios dessa coação a eleitores, mas não recebi nenhum relatório de inteligência sobre interferência de facções no processo eleitoral. E nós trabalhamos apenas com relatórios — afirmou ele, justificando o porquê de não ter havido investigação sobre o suposto crime.

