MPF aponta três inconstitucionalidades em 'gratificação faroeste' aprovada pela Alerj
Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão cobra que governador Cláudio Castro não sancione projeto que prevê bônus a policiais por 'neutralização' de criminosos
O Ministério Público Federal (MPF) notificou o governador do Rio, Cláudio Castro, na quarta-feira, sobre inconstitucionalidades no Projeto de Lei nº 6.027/2025, aprovado pela Alerj, que reestrutura a Polícia Civil e restabelece a chamada “gratificação faroeste”. O texto prevê bônus de 10% a 150% do salário para agentes que apreenderem armas de grande calibre ou “neutralizarem” criminosos em operações — termo entendido, na prática, como matar.
Os três pontos de inconstitucionalidade
No ofício (nº 11793/2025), assinado pelo procurador da República Júlio José Araújo Júnior, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/RJ) elenca três pontos centrais de inconstitucionalidade: vício de iniciativa, descumprimento de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635 e violação do direito fundamental à segurança pública.
Vício de iniciativa – a Constituição Federal (art. 61, §1º, II) reserva ao chefe do Executivo a iniciativa de projetos que criem cargos ou aumentem remuneração. Como o texto partiu de deputados, não poderia sequer ter tramitado.
Descumprimento da ADPF 635 – em 2020, o STF suspendeu normas estaduais que excluíam a redução da letalidade como critério de avaliação de policiais. Para o MPF, premiar a “neutralização de criminosos” contraria frontalmente essa decisão.
Violação ao direito à segurança pública – segundo o MPF, não há evidência de que estimular mortes aumente a segurança; pelo contrário, isso aprofunda a violência e fragiliza a confiança da população nas instituições.
“Na contramão dessa perspectiva, a evocação da letalidade policial como fator de promoção da segurança pública carece de qualquer comprovação, além de gerar efeitos contrários ao prometido”, afirma o ofício.
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A Procuradoria lembra ainda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil no caso “Favela Nova Brasília” justamente por violações cometidas em operações policiais no Rio, e alerta para o risco de nova responsabilização internacional caso a lei seja sancionada.
“Ao andar na contramão das diretrizes, estimulando a letalidade policial, o projeto de lei padece de vícios de inconstitucionalidade quanto à violação do próprio direito fundamental à segurança pública”, conclui o documento.
O que é a 'gratificação faroeste'
A emenda foi aprovada na última terça-feira com 45 votos favoráveis e 17 contrários. Ela permite que o governo conceda “premiação em pecúnia, por mérito especial” aos policiais civis, em caso de apreensão de armas de uso restrito ou da “neutralização de criminosos”. Especialistas alertam que, no jargão policial, o termo “neutralizar” costuma significar matar — o que transforma a bonificação em um estímulo direto à letalidade.
Essa prática já existiu nos anos 1990, durante o governo Marcello Alencar, mas foi derrubada em 1998 por pressão da sociedade civil, após denúncias de que o benefício incentivava execuções sumárias. Agora, deputados estaduais cogitam até ampliar a medida para a Polícia Militar.
Críticos da proposta, como a deputada Renata Souza (PSOL), afirmam que o mecanismo representa uma “licença para matar”. Já defensores, como o autor da emenda Marcelo Dino (União), policial militar reformado, argumentam que a bonificação “faz os bandidos voltarem a temer a polícia”.

