Saiba quais são as provas da PGR contra os alvos do segundo julgamento sobre trama golpista
Primeira Turma do STF começa a decidir nesta terça-feira se torna os acusados réus, como aconteceu com Jair Bolsonaro
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira o julgamento sobre o acolhimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) em relação aos seis denunciados que compõem o chamado núcleo 2 da trama golpista.
Esse grupo é composto pelos ex-assessores presidenciais Filipe Martins e Marcelo Câmara, além do ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, do general Mário Fernandes, da ex-subsecretária de Segurança Pública do Distrito Federal e delegada da Polícia Federal Marília de Alencar, e do ex-secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública do DF e delegado da PF Fernando Oliveira.
Na denúncia apresentada em fevereiro, a PGR afirma que esse grupo deu suporte jurídico e operacional à investida golpista. A Procuradoria os acusa dos crimes de organização criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
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Foi o núcleo que planejou e coordenou, segundo a denúncia, o bloqueio de rodovias do Nordeste no dia do segundo turno das eleições presidenciais de 2022 com o objetivo de impedir a votação em locais em que Luiz Inácio Lula da Silva era favorito. Integrantes do núcleo também participaram do plano Punhal Verde e Amarelo, com o monitoramento de autoridades como o ministro Alexandre de Moraes, do STF. O plano, que foi abortado, tinha o intuito de sequestrar e assassinar Moraes, Lula e o então vice-presidente Geraldo Alckmin.
Punhal Verde e Amarelo
O General Mário Fernandes foi apontado na denúncia da PGR como “responsável por coordenar as ações de monitoramento e neutralização de autoridades públicas” juntamente com o ex-assessor de Bolsonaro Marcelo Câmara, “além de realizar a interlocução com as lideranças populares ligadas” á tentativa de golpe do 8 de Janeiro.
A PF encontrou no celular de Fernandes o documento Fox_2017.docx75, que “continha o título ‘Planejamento Punhal Verde Amarelo’ e tramava contra a liberdade e mesmo a vida do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e dos candidatos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin Filho”, diz a denúncia.
“O plano minudenciava providências de reconhecimento operacional, prevendo o acompanhamento de “locais de frequência e estadia” do Ministro Alexandre de Moraes, com observação de sua residência, trabalho e local de prática de esportes. Estipulava o monitoramento de seus itinerários, horários, agenda oficial e pessoal, além do efetivo que o acompanhava e dos veículos utilizados para seu deslocamento. As ações de reconhecimento eram previstas para ocorrer no Distrito Federal e em São Paulo”, prossegue a PGR.
O documento previa o uso de um veículo blindado, armamento de alto calibre, como fuzis, além de granadas, pistolas e coletes à prova de balas para a execução do Punhal Verde e Amarelo.
Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro, teria sido responsável pelo monitoramento detalhado do ministro Alexandre de Moraes, segundo a delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, citada na denúncia da PGR.
Mensagens que constam na denúncia, enviadas por Câmara a Cid, detalhavam os locais frequentados por Moraes, sua rotina, inclusive viagens a sua residência em São Paulo e a ida a eventos públicos como a diplomação do presidente Lula.
Câmara teria participado do da operação prevista no plano “Punhal Verde Amarelo”, que envolveu “ao menos seis militares” que se comunicavam por meio do aplicativo Signal. O sequestro de Alexandre de Moraes, programado para 15 de dezembro, foi abortado quando a operação de monitoramento já estava sendo executada. Segundo a PGR, a operação foi cancelada por falta de apoio das Forças Armadas, em especial do comandante do Exército, General Freire Gomes.
“No dia seguinte ao cancelamento da operação, em 16.12.2022, Marcelo Câmara informou a Mauro Cid, a respeito do Ministro Alexandre de Moraes: ‘Viajou para São Paulo hoje, retorna na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP no mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo’”, diz trecho da denúncia.
A denúncia cita que Cid confirmou em sua delação “a relevante contribuição de Marcelo Câmara para as ações violentas, ao afirmar que ‘o monitoramento então foi solicitado pelo colaborador ao Coronel Marcelo Câmara, que era quem realizava essas operações’” e que foi o próprio Bolsonaro quem teria solicitado o monitoramento de Moraes.
Minuta golpista
A denúncia da PGR também sustenta que Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro, apresentou ao ex-presidente a minuta de decreto golpista que previa a prisão de uma série de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, além do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O documento cita a delação de Mauro Cid, segundo a qual Bolsonaro recebeu de Martins, em reunião no dia 6 de dezembro de 2022, a minuta do decreto.
No dia seguinte, 7 de dezembro de 2022, Martins e Bolsonaro apresentaram a minuta ao Ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira; ao almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha; e ao general Freire Gomes, comandante do Exército. Na ocasião, segundo a PGR, Filipe Martins “ficou encarregado da leitura do decreto, expondo os fundamentos ‘técnicos’ da minuta”. Na reunião, Freire Gomes teria se oposto ao plano golpista que, segundo a denúncia, continuou.
O nome de Filipe Martins também aparece como o titular de uma “assessoria de relações institucionais” do gabinete que seria formado após o golpe, que segundo a PGR seria chefiado pelo General Augusto Heleno, teria coordenação-geral do General Walter Braga Netto e assessoria estratégica do General Mário Fernandes.
Bloqueios de estradas
Além de depoimentos de funcionários públicos e 47 agentes da PRF, a denúncia da PGR cita mensagens de autoridades em grupos de Whatsapp que apontam uma ação ilegal da PRF chefiada por Silvinei Vasques para impedir ou dificultar a votação de eleitores no segundo turno em locais em que Lula era favorito. Viaturas da Polícia Rodoviária Federal agiram para fiscalizar e reter ônibus em municípios do Nordeste.
Marília Alencar, delegada da PF que foi diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública durante a gestão de Anderson Torres, solicitou a elaboração de um projeto de Business Intelligence (ferramenta de análise de dados) voltado aos resultados eleitorais. "O objetivo era coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos municípios da Região Nordeste", diz a denúncia. Após o primeiro turno, ela teria ordenado ao analista Clebson Ferreira de Paula Vieira que coletasse os dados de municípios em que Lula tivesse mais de 75% dos votos válidos no primeiro turno. Em depoimento às autoridades, o analista confirmou que seu chefe imediato na PRF, Tomaz Viana, ordenou que "o painel que estava publicado no ambiente do MJSP fosse retirado e colocado 'offline'".
Segundo Vieira, "a PRF agiu no dia das eleições com base nos BIs do declarante (Vieira), tanto para saber onde estava o efetivo quanto para saber para onde direcionar o efetivo; (...) as ações da PRF seriam blitz em municípios ou próximas a municípios nos quais o então candidato Lula tivesse votação acima de 75%", a maioria na região Nordeste.
O documento da PGR cita ainda que no celular de Fernando Oliveira, então diretor de Operações do Ministério da Justiça, a polícia encontrou mensagens que corroboram o direcionamento político da ação da PRF. Oliveira e Marília faziam parte de um grupo de Whatsapp chamado "EM OFF" no qual tratavam sobre os relatórios.
Em 13 de outubro de 2022, Marília enviou mensagem afirmando que em "belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” (sic) e “menos 25.000 votos no 9”, em alusão ao favoritismo de Lula no município da Baixada Fluminense. Em seguida, pergunta a Fernando qual seria o próximo passo. Ele, então, responde: "52 x 48 são milhões 5 de votos para virar". Marília diz, então, que o ministro Anderson Torres tinha pressa e que “Leo (Garrido, coordenador de operações na PF) disse que só vai fazer a bahia”, em alusão a um policiamento direcionado no estado do Nordeste.
"Está claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado (Bolsonaro) fosse afastado do poder", diz a denúncia da PGR.
As investigações revelaram ainda que houve uma reunião em 19 de outubro de 2022, a 11 dias do segundo turno das eleições, do ministro Anderson Torres e de Vasques com as cúpulas da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal "para tratar do policiamento direcionado, a ser posto em execução quando do segundo turno das eleições de 2022".
A denúncia cita os depoimentos de três policiais rodoviários federais, os quais relataram que durante a reunião Vasques "disse que 'era hora de escolherem um lado'" na disputa eleitoral. O relato foi antecipado pela coluna de Malu Gaspar, do GLOBO.
Mensagens do grupo “EM OFF” também mostram o tom do encontro, segundo a denúncia. Marília teria dito em mensagem ao grupo: "achei que o 01 (Torres) falou bem ontem na reunião", ao que Fernando teria respondido: "falou bem demais isento". Marília, então, respondeu: "isento porra nenhuma", "meteu logo um 22", em referência a um favorecimento de Bolsonaro por parte do ministro Torres.

