Sem referência direta a Fux, Moraes rebate argumentos de voto do ministro: 'Havia forte armamento'
Ação penal que tem ex-presidente, Braga Netto e outros seis ex-integrantes do governo passado como réus deve ter a análise concluída nesta semana
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da ação penal da trama golpista, rebateu argumentos do o ministro Luiz Fux, que abrir uma divergência no caso. Segundo Moraes, "havia forte armamento"
Fux votou pela absolvição de seis dos oito réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, e defendeu a nulidade do processo por entender que não caberia à Corte julgar o caso.
Relator do processo, Moraes se manifestou durante o voto de Cármen Lúcia, em um pedido de "aparte".
— Essa organização criminosa era fortemente armada, e já foi reconhecido aqui, já há maioria desse sentido, da condenação de dois réus, o colaborador Mauro Cid e o general Braga Netto, em virtude do planejamento do Punhal Verde Amarelo e da operação Copa 2022, havia forte armamento, então os autos demonstram a grave violência, a utilização de armas para a violência e grave ameaça.
— É muito importante deixarmos muito claro, principalmente para a sociedade, que não foi um domingo no parque, não foi um passeio na Disney. Foi uma tentativa de golpe de Estado, não foi combustão espontânea — disse Moraes: — Não foram baderneiros descoordenados que, ao som do flautist,a fizeram fila e destruíram a sede dos três poderes. É uma organização criminosa.
Moraes rebateu ainda diretamente os argumentos de Fux, que criticou em seu voto o encadeamento de fatos apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Na quarta-feira, ao votar pela absolvição de Bolsonaro, Fux citou a reunião dos "kids pretos" em um prédio em Brasília, desqualificando a prova trazida pela Polícia Federal.
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Disse Moraes:
— Se nós pegarmos, ministro Flávio, um fato isolado...A reunião dos kids pretos, que na verdade, foi um salão de festas fechado. "Mas a reunião dos kids pretos, eles não podem se reunir?" A questão é o encadeamento (dos fatos).
Com o placar de 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro, a Primeira Turma do STF retomou o julgamento da trama golpista nesta quinta-feira, quando a ministra Cármen Lúcia apresentará seu voto na ação. A expectativa é que o ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado, também se manifeste na sessão de hoje. A previsão é que a análise do caso seja concluída apenas na sexta-feira, com a discussão sobre a dosimetria das penas em caso dos réus condenados.
Para integrantes do colegiado, é esperado que a ministra, decana da Primeira Turma, faça um voto "diametralmente oposto" do proferido por Fux, com uma enfática defesa da democracia. Os colegas avaliam que Cármen será cirúrgica, mas sem expor o companheiro de atividade judicial.
Além de Bolsonaro, são réus o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), o almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno, o tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, e o ex-ministro da Casa Civil Walter Braga Netto.
No caso de Cid e Braga Netto, já há maioria na Turma para condená-los pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito,mas o placar também está 2 a 1 nos demais crimes imputados a eles na denúncia: tentativa de golpe de Estado, organização crimonosa, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Ao longo do curso do processo, Cármen Lúcia tem buscado se posicionar como guardiã da higidez do processo eleitoral e da confiabilidade das urnas eletrônicas. No primeiro dia do julgamento, a ministra interrompeu o advogado Paulo Renato Cintra, da defesa de Alexandre Ramagem, para adverti-lo após o defensor ter tratado como sinônimos os termos “voto auditado” e “voto impresso”.
Voto de Fux
Ao rejeitar a hipótese de participação de golpe de Estado ou abolição para Bolsonaro, Fux adotou três caminhos. Disse não haver comprovação da participação do ex-presidente no 8 de Janeiro, evento em que houve violência. Desqualificou repetidos ataques ao processo eleitoral e às urnas, considerando-os apenas críticas de cunho político. E apontou o que seriam fragilidades de ligação do ex-presidente com provas materiais, como o plano de assassinar autoridades e as diferentes versões de minutas golpistas.
Em exposição que durou cerca de 11 horas e meia, o magistrado também fez críticas à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), com longa fala sobre a inadequação da imputação de crimes e falhas na cadeia de eventos descrita pelo órgão. Segundo Fux, esses supostos erros formais poderiam, inclusive, levar à anulação do processo.
Ainda durante a fase preliminar do seu voto, Fux defendeu a nulidade do processo por entender a incompetência do STF para julgar o caso. O ministro chegou a deliberar em mais de 1.600 ações relativas ao 8 de Janeiro sem fazer questionamentos sobre o foro, mas vinha mudando seu posicionamento nos últimos meses.
O magistrado também votou para que os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito sejam incorporados em uma só conduta. Na prática, esse entendimento, caso seja aceito pela maioria, pode reduzir a pena dos condenados.
Voto de Dino
Ao votar, na terça-feira, o ministro Flávio Dino classificou Bolsonaro e o ex-ministro Braga Netto como líderes da trama golpista. Ele também disse que a Constituição veda a anistia a crimes contra a democracia. O ministro ainda rebateu o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que afirmou que o ministro Alexandre de Moraes promove uma "tirania".
— De fato, ele (Bolsonaro) e o réu Braga Netto ocupam essa posição, eles tinham de fato o domínio de todos os eventos que estão nos autos — declarou Dino.
O ministro defendeu uma pena menor para os ex-ministros e generais Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno e o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin.
— Não há a menor dúvida de que os níveis de culpabilidade são diferentes. Essa não é uma divergência, mas uma diferença em relação ao eminente relator. Em relação a Bolsonaro e Braga Netto, não há dúvida de que a culpabilidade é bastante alta. Contudo, há uma diferença com relação a Paulo Sérgio, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem. Quando for o momento da dosimetria, eu considerarei a participação deles como de menor importância — afirmou o ministro.
Voto de Moraes
Durante seu voto, também na terça, Moraes afirmou que Bolsonaro liderou a organização criminosa que tentou um golpe de Estado após a vitória do presidente Lula na eleição de 2022.
— O réu Jair Messias Bolsonaro exerceu a função de líder da estrutura criminosa e recebeu ampla contribuição de integrantes do governo federal e das Forças Armadas, utilizando-se da estrutura do Estado brasileiro para implementação de seu projeto autoritário de poder, conforme fartamente demonstrado nos autos — disse Moraes. — Jair Messias Bolsonaro foi fundamental para reunir indivíduos de extrema confiança, do alto escalão do governo federal, que integravam o núcleo centro núcleo central da organização criminosa.
As penas máximas desses crimes chegam a 43 anos de prisão. O tamanho da punição, caso Bolsonaro seja de fato condenado, será definido após todos os ministros se manifestarem. Caberá recurso em caso de condenação.
Moraes afirmou durante o julgamento que a organização criminosa praticou "atos executórios", entre 2021 e 2023, destinados a atentar contra a democracia. Moraes destacou que houve uma preparação "violentíssima" para uma tentativa de perpetuação no poder a "qualquer custo". Segundo ele, as ações resultaram nos atos de 8 de janeiro, que não foram "combustão espontânea".
— Nós estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a um ditadura pura, que durou 20 anos, porque uma organização criminosa, constituída por grupo político, não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa, constituída por grupo político liderado por Jair Bolsonaro, não sabe que é princípio democrático e republicano a alternância de poder. Há excesso de provas nos autos — afirmou Moraes
Quais crimes?
O grupo responde a cinco crimes: tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito, organização criminosa, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.
Também são réus os ex-ministros Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira, Anderson Torres e Augusto Heleno; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência; e o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
O parlamentar teve o processo quanto às acusações de dano ao patrimônio e deterioração de bens tombados suspenso até o fim do mandato por decisão da Câmara, prerrogativa que a Constituição dá ao Congresso nos casos de crimes cometidos após a diplomação dos parlamentares.
Próximas sessões
A sessão de hoje é a penúltima prevista para o julgamento na Primeira Turma. Além de Cármen Lúcia, ainda falta o voto de Cristiano Zanin, presidente do colegiado e, em caso de condenação dos réus, a discussão sobre a dosimetria das penas.

