Setor de combustível vê avanço histórico com marco contra devedores contumazes
Texto aprovado na noite de terça segue para sanção presidencial
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, por 436 votos a 2, o projeto de lei que estabelece um marco nacional para identificar e punir devedores contumazes, aqueles cuja inadimplência é considerada “substancial, reiterada e injustificada”. Para especialistas e setores afetados, a nova legislação representa um avanço no combate à concorrência desleal e aos esquemas que alimentam sonegação, lavagem de dinheiro e crime organizado, além de reforçar a proteção aos contribuintes que cumprem suas obrigações.
O Instituto Combustível Legal (ICL) diz que o novo marco legal aprovado pelo Congresso funciona como uma “vacina” contra o financiamento de organizações criminosas. A entidade calcula que o endurecimento das regras para devedores contumazes pode gerar uma arrecadação adicional de cerca de R$ 14 bilhões por ano para municípios, estados e União.
— O Brasil escolheu a legalidade. Cabe agora a nós, sociedade civil e setor produtivo, trabalhar para que essa lei seja aplicada com rigor, transformando dívida criminosa em investimento social — afirmou Emerson Kapaz, presidente do ICL.
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Um levantamento elaborado pelo instituto, com base em dados públicos, mostra que a dívida acumulada por devedores contumazes, aproximadamente R$ 174,1 milhões, já supera o total investido em segurança pública por todos os estados e pela União em 2024, que foi de R$ 139,6 milhões.
Para 2026, o ICL defende a continuidade e o aprofundamento das operações integradas de inteligência e de fiscalização, além da aprovação de medidas complementares. Entre elas, o aprimoramento de mecanismos para identificar inconsistências na aquisição de produtos importados ou produzidos internamente.
A entidade também destaca a necessidade de enfrentar a prática da “bomba branca” e a chamada “fraude do metanol” (PL 5807/2025), revertendo regulamentações que fragilizam o controle nos postos e criando legislação específica para coibir o uso irregular de metanol, considerado um problema de saúde pública.
Já o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) afirmou que o PL do devedor contumaz representa um marco essencial no combate ao crime e à concorrência desleal no setor.
A entidade destacou que a definição clara do que é um devedor contumaz é importante para diferenciar o empresário que enfrenta dificuldades momentâneas daquele que estrutura o negócio deliberadamente para não pagar tributos, utilizando a sonegação como estratégia comercial e como vantagem competitiva predatória.
“O problema transcende a concorrência desleal, representando risco sistêmico à economia formal, que financia outras atividades criminosas e expõe o consumidor a produtos de péssima qualidade”, disse em comunicado.
Eduardo Lourenço, sócio especializado em direito constitucional e tributário do escritório Maneira Advogados, avaliou que a aprovação de regras mais rígidas para devedores contumazes representa uma vitória para o bom contribuinte e para a economia formal.
Segundo ele, ao estabelecer critérios que diferenciam a inadimplência eventual daquela recorrente e fraudulenta, o Congresso protege quem cumpre suas obrigações, reduz a concorrência desleal e enfraquece estruturas que sustentam a sonegação, a lavagem de dinheiro e o crime organizado.
— A combinação de medidas firmes contra o devedor contumaz com programas de cooperação e conformidade tributária demonstra maturidade institucional e compromisso com um ambiente de negócios mais previsível, transparente e competitivo para todo o país.
Como funciona a identificação do devedor contumaz
O projeto estabelece critérios objetivos:
- Reiteração de débitos: número mínimo de infrações tributárias praticadas de forma sistemática por determinado período;
- Substancialidade: valor total da inadimplência e impacto fiscal relevante para a União;
- Injustificação: capacidade contributiva comprovada, acompanhada da intenção de fraudar ou da adoção de práticas artificiais para esvaziar o pagamento de tributos;
- Padrão de comportamento: utilização de estruturas empresariais voltadas à simulação, empresas de fachada, sucessões fraudulentas ou reincidência em modelos já identificados pela Receita.
Esse conjunto de elementos, segundo a Receita e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), permite diferenciar o devedor contumaz do contribuinte comum ou da empresa com dificuldade financeira momentânea, uma preocupação que norteou boa parte da construção do texto.
Uma vez caracterizado o devedor contumaz, o projeto prevê um pacote de restrições:
- Proibição de participar de licitações e contratar com o poder público;
- Impedimento de receber benefícios ou incentivos fiscais;
- Vedação ao ingresso ou prosseguimento de recuperação judicial, nos casos em que houver fraude estruturada;
- Adoção de medidas cautelares pela PGFN, com possibilidade de atuação preventiva para evitar dissipação patrimonial.
O texto aprovado também detalha que essas sanções não podem ser aplicadas automaticamente: exigem processo administrativo, contraditório, possibilidade de defesa e revisão.
Conformidade cooperativa e incentivos
Um dos pontos centrais do relatório é que o projeto não se limita a punir: ele cria instrumentos de conformidade cooperativa, como os programas Confia e Sintonia, concebidos para estabelecer uma relação mais transparente entre Receita Federal e contribuintes. Entre os mecanismos previstos:
- Autorregularização prévia antes da abertura de processo punitivo;
- Classificação de risco para identificar contribuintes com bom comportamento fiscal;
- Bônus de adimplência, que permite a redução de multas para empresas que mantêm histórico positivo;
- Ambiente de diálogo permanente entre Receita e setores econômicos para antecipação de litígios.
A Fazenda argumenta que esse desenho que combina punição dura a estruturas fraudulentas e incentivos à conformidade reduz litigiosidade, melhora a segurança jurídica e contribui para previsibilidade na arrecadação.
Impacto político e apoio empresarial
O texto também teve apoio de setores empresariais. Em nota, entidades como Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA), Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA), Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP) e o Instituto Combustível Legal (ICL) afirmaram que o projeto preenche lacunas históricas e moderniza o sistema de conformidade.
“Manter o atual vácuo normativo e a fragmentação de regras sobre o tema beneficia justamente agentes que operam à margem da lei, muitos dos quais se associam a estruturas criminosas organizadas que utilizam a inadimplência tributária como fonte de financiamento e distorção concorrencial”, diz o documento.

