Como Silas Malafaia aparece no filme "Apocalipse nos Trópicos"
Dirigido por Petra Costa, documentário da Netflix mostra a influência do pastor na política nacional e na família Bolsonaro
Lançado no último mês de julho pela Netflix, o filme "Apocalipse nos trópicos", da diretora Petra Costa, tem como uma das figuras centrais o pastor Silas Malafaia, que teve o celular e o passaporte apreendidos na noite da última quarta-feira pela Polícia Federal, no âmbito do indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo por interferência no julgamento da trama golpista. Isso porque o longa tenta mostrar os tentáculos do cristianismo evangélico na política nacional — falar de Malafaia, portanto, era mandatório. Ele foi e ainda é um dos nomes mais influentes na família Bolsonaro.
“Perto dele, Bolsonaro parecia diminuído, como uma criança perto de uma criança perto de um mestre", disse a cineasta em entrevista ao jornal britânico The Guardian.
O pastor é mostrado, pela primeira vez, logo no início do documentário, num evento evangélico nos arredores do Congresso Nacional, com a família Bolsonaro, antes das eleições de 2018. Ali, ele prega contra "o Brasil esquerdopata, "contra o aborto, contra a liberação das drogas", usando exatamente a plataforma do então candidato para o eleitorado cristão. A equipe de filmagem o acompanha também em pregações na sua igreja, a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, cuja presidência foi originalmente de seu sogro e ele foi o responsável pela nacionalização, e em casa.
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"Esse negócio de pastor falar em política, pastor dar opinião, isso tem 15 anos", diz ele, ao lado de Sóstenes Cavalcante, hoje deputado federal do PL-RJ e líder da bancada evangélica.
As opiniões políticas dele, o filme explica e comprova com imagens de arquivo, nem sempre penderam para a extrema-direita. O pastor já fez campanha também para Lula. "Durante décadas, Malafaia apoiou vários candidatos à presidente. Em 2002, Lula, mas a relação acabou mal", diz Petra, que narra o documentário. "Depois, mais à direita, Serra e Aécio Neves, mas eles não foram eleitos. Agora, Bolsonaro era finalmente um candidato que Malafaia podia chamar de seu. E quando eu filmei ele pela primeira vez, Bolsonaro era um deputado de extrema-direita, do baixo clero, sempre em busca de um holofote (...) e adota a identidade nacionalista cristã que o levaria à presidência".
Até a vitória
Depois da eleição de 2018, o filme acompanha, então, a consolidação do plano político do líder da ADVC com a chegada de Bolsonaro ao Palácio da Alvorada.
"Eu lamento dizer que grande parte dos pastores ficaram no monte da religião, se alienaram do que está acontecendo, e eu não", diz ele numa parte do filme, em que está ao volante e reclama de um motoqueiro no trânsito. "Vai aprender a pilotar essa porcaria, eu fui motoqueiro. Tá fazendo besteira pra lá e pra cá, quer ser jogado lá fora. Quer o quê? O segurança vai ser um susto nele agora."
Do carro para o jatinho, Silas Malafaia é registrado também na intimidade de sua avião particular ("custou US$ 1,4 milhão e hoje vale uns US$ 800 mil, diz) indo a Brasília conversar com o presidente Bolsonaro, com quem ele não esconde ter franca intimidade e influência para nomeação de cargos, inclusive de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
"Bolsonaro diz assim para mim: 'Malafaia, subiu no telhado. Não vai dar, não. André vai perder'. Eu disse: 'Quem vai ficar sem palavra é você. Gostaria de te informar que eu não vou refrescar. (...) Eu vou dizer no mundo evangélico que você não tem palavra", disse.
Previsão errada
O filme mostra também uma análise política errada do pastor, que garante: Lula vai perder a eleição de 2022 porque "está ferrado no mundo evangélico".
"Anota o que estou te falando. Nós somos mais de 30% da população", disse ele. O número exato, no entanto, segundo o Censo de 2022, é 26,9%.
Após o lançamento de "Apocalipse nos trópicos", Malafaia disse ter sido "enganado" pela equipe do filme.
"Eu não deixaria de dar entrevista. Se ela (a jornalista) me dissesse que era um documentário para a esquerda, eu só ia ficar esperto. Fui enganado."

