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TELEVISÃO

Criador de ''Êta mundo melhor!'', Walcyr Carrasco se consolida como ''autor coringa'' da TV

Dramaturgo idealiza novo horário na grade de TV, com novela para o período da tarde, prepara folhetim inédito inédito e lança livro

Walcyr Carrasco com o ator Sérgio GuizéWalcyr Carrasco com o ator Sérgio Guizé - Foto: Léo Rosário/divulgação/Rede Globo

Walcyr Carrasco é um homem de frases curtas. Para início de conversa, pergunte ao criador de exatamente 20 novelas — incluindo a inédita “ Êta mundo melhor!”, que estreia nesta segunda-feira (30) na TV Globo — se ele nutre um “faro”, ou algum tipo de “instinto” aprimorado ao longo de quatro décadas de carreira, para identificar o que tem mais capacidade de fisgar a atenção dos telespectadores. “Certo”, o autor confirma, e a resposta acaba aí. Ponto. É preciso, então, verbalizar, na lata, o desdobramento natural da indagação de antes: afinal, o que a audiência quer ver atualmente? As palavras, porém, novamente são ralas.

— Ah, a gente nunca sabe... Quem sabe mesmo é o público — limita-se a dizer.

“Intuição” é o termo que guia todas as escolhas do escritor e dramaturgo, como ele frisa. Não à toa, Walcyr logo esclarece que não é lá muito capaz de decifrar, com raciocínio consciente, o futuro dos folhetins em meio às transformações provocadas pelo streaming. E fim de papo sobre isso.

— Veja bem, não sou um teórico das novelas. Sou um autor. Então, não faço muita tese — avisa. — Só vivo o meu trabalho. E gosto dele, amo! Assim vou deixando tudo acontecer... Mas ficar fazendo teoria? Não entro nisso, não.

A rigor, alguma coisa está sempre fora da ordem — e em ebulição permanente — sob os cabelos finos e esbranquiçados, normalmente penteados para o lado direito, na cabeça do paulista de 73 anos. Isso é ele quem reconhece, ao citar os vários projetos com os quais se envolve simultaneamente.

Nome por trás de trunfos da TV Globo — da brejeira “ O cravo e a rosa” (2000), que marcou o debute do profissional na emissora, à mais recente “ Terra e paixão” (2023) — , Walcyr é recorrentemente citado, entre colegas, como o “autor coringa” do canal. Às 18h, às 19h, às 20h, às 21h, às 22h e às 23h (e também no streaming, vide “Verdades secretas II”, de 2021, sequência para a picante trama de 2015 lançada diretamente no Globoplay), ele costuma trafegar, com um raro traquejo, por todas as faixas da televisão.

Ao mesmo tempo agora
No momento, aliás, o novelista se dedica à “invenção” de um novo horário, como revela ao GLOBO. Junto à diretora Amora Mautner — que também assina a direção artística de “Êta mundo melhor!” —, Walcyr idealiza um melodrama romântico, com duração mais enxuta, para ocupar a grade da Globo à tarde. Será uma “história de amor e paixão para o grande público”, como adianta. A ideia é que ele assine só os cinco primeiros capítulos, ainda sem previsão de estreia, e que outro roteirista toque o trabalho dali em diante.

O esquema é parecido com o que se vê em “Êta mundo melhor!”. Inspirada no universo ficcional da bem-sucedida “Êta mundo bom!” (2016) — com personagens novos misturados a tipos da trama original, entre os quais Candinho ( Sergio Guizé), que segue no papel de protagonista junto ao burro de estimação Policarpo —, a nova novela das 18h absorve a tinta da caneta de Walcyr apenas até o 30º capítulo. A partir da sexta semana no ar, Mauro Wilson (de “Quanto mais vida, melhor!”, de 2021) assume, sozinho, a autoria da trama, sucessora da elogiada “ Garota do momento”.

Isso porque, paralelamente a tudo o que já foi citado, Walcyr elabora outra história — a depender da aprovação da Globo, deve ocupar o horário das 21h na esteira da inédita “ Três Graças”, de Aguinaldo Silva, prevista para substituir “ Vale tudo”. Sobre isso, porém, ele não quer discorrer, com medo de dar spoilers indevidos (“Não falo nada, nem com revólver na minha testa”, reforça, sem tempo para riso).

Para dar conta da miríade de tarefas, Walcyr cumpre uma rotina exaustiva, do momento em que acorda à hora em que vai dormir, quase sempre entre 2h e 3h da manhã, no escritório dentro de casa, em São Paulo. Está aí, quem sabe, a explicação para que ele chegue à esta entrevista com 40 minutos de atraso, e sem qualquer justificativa ou pedido de desculpa.

— Não tenho método. Sou uma pessoa, acredito, criativa, né? Mas me entrego à confusão. Sou bem confuso pessoalmente. O que sei é que vou fazendo várias coisas ao mesmo tempo. E não me pergunte como concilio tudo. Não sei explicar — afirma ele, que acaba de lançar, em livro (pela editora Moderna), uma adaptação do clássico infantojuvenil “Pollyanna”, da americana Eleanor H. Porter.

Do caos à lama
“Apaixonado” por inteligência artificial (“Serve de trampolim para ideias, mas tem que ter cuidado”, diz) e antenado com a produção audiovisual gringa — recentemente o autor viu e “amou” a minissérie argentina “Cilada”, da Netflix —, Walcyr acredita que está resgatando, com “Êta mundo melhor!”, uma sensação particular que ele define como uma “paixão especial pelo universo caipira”.

Da nova novela de época das 18h, que acompanha a busca de Candinho pelo filho Samir (Davi Malizia), o público pode aguardar por cenas de humor em chiqueiros, fazendas e mesas fartas de quitutes — manancial para possíveis “guerras de comida” —, coisa já vista em títulos como “ Chocolate com pimenta” (2003) e “ Alma gêmea” (2005), dois sucessos.

— Acho que cair na lama virou um vício meu. Já joguei alguns personagens na lama em “Êta mundo melhor”. Gosto de ver ator na lama — entrega, deixando escapar uma risada abafada. — Se eu não não me divertir escrevendo as novelas, o público também não vai se divertir. Penso desta forma.

A máxima de que as novelas devam ser “espelho e janela da sociedade” — ou seja, reflexos do mundo e aberturas para pautas não consensuais — não é, bem, o alvo que Walcyr persegue ao elaborar obras para a TV. Exemplo: ele diz que não arquitetou a introdução de temas relacionados ao universo LGBTQIAP+ em “ Amor à vida” (2013), com Félix ( Mateus Solano) e Niko ( Thiago Fragoso) dando o primeiro beijo entre homens da teledramaturgia nacional, ou “Terra e paixão”, com a popularidade do casal Kelvin (Diego Martins) e Ramiro ( Amaury Lorenzo).

— Já disse: não sou esta “pessoa teórica”. Então, não penso e planejo coisas assim. É algo que vai acontecendo no meu processo de criação — detalha. — Introduzo alguns temas ingenuamente, sem saber muito o que vai acontecer. E só faço isto porque a história pede.

Incontornável, a pergunta do início desta entrevista vem à tona, mais uma vez. Afinal, diante de uma programação televisiva com obras ficcionais cada vez mais realistas, o público parece sentir falta de tramas maniqueístas, com mocinhos e vilões bem delineados?

— Vou ser sincero, mas não quero ser antipático. Acho que o público gosta de tudo o que é bem feito. E existe espaço para tudo — reforça Walcyr, que iniciou a carreira como jornalista e dramaturgo teatral, antes de deslanchar na TV. — Não vejo hoje caminhos tão definidos para a teledramaturgia, sabe? No meu caso, gosto muito da ingenuidade e da simplicidade caipiras. É algo que me move. Mas não acho que os espectadores estão em busca desse universo especificamente. O que o público quer ver é uma boa história, com emoção, humor, amor, mistério...

Eis a resposta, enfim. E o autor vai além, ao sublinhar que não crê que exista uma “crise criativa” no setor. Ele acompanha com bons olhos a recente onda de reedições.

— Não tenho vontade de fazer remake neste momento, embora eu ache que algumas de minhas novelas merecessem novas versões. São obras que fizeram sucesso e marcaram época... Por que não fazer de novo? — indaga. — Sem dúvida, “Xica da Silva” (exibida em 1996, na TV Manchete, sob o pseudônimo de Adamo Angel, já que à época Walcyr tinha contrato de exclusividade com o SBT) estaria entre uma das primeiras na minha lista.

O repórter questiona se ele mesmo toparia encarar a empreitada. O autor hesita:

— Ah, não sei! Você me pergunta coisas que não tenho a menor ideia do que responder, hein — reclama.

História sem grandes complicações
O primeiro capítulo de “Êta mundo melhor!” — com exibição hoje, a partir das 18h — entrega ao espectador, de bandeja, uma radiografia completa da novela. O público não precisará fazer grandes esforços para desemaranhar, por inteiro, o fio condutor da história dali até o fim. Trata-se de um folhetim sem muitas complicações nesse aspecto, como ressalta Mauro Wilson.

— A premissa da narrativa é poderosa, e a espinha dorsal da novela fica muito clara desde o início — afirma o autor, às voltas com a primeira parceria a quatro mãos com Walcyr Carrasco, que afirma ter se “desapegado” da própria obra para que o colega tocasse o trabalho com total liberdade.

Se “Êta mundo bom!” acompanhou a saga de Candinho, homem ingênuo e simples, para encontrar a mãe, o desdobramento da trama segue os passos do protagonista à procura do filho perdido, fruto do relacionamento com Filó ( Débora Nascimento), que é dada como morta no início da trama. Símbolo do otimismo em estado bruto, o personagem mantém a seguinte frase como uma espécie de mantra pessoal: “Tudo o que acontece de ruim na vida da gente é para melhorar”.

— Candinho não é bobo, como outros personagens dentro da novela costumam achar. Ele só é alguém que busca a bondade nos outros. E acredita nisso porque crê na natureza boa de todas as pessoas — defende Mauro.

Pastelão recheado
Roteirista com sólida trajetória em programas de humor — ele integrou a equipe de redatores de “A grande família” (2001-2014), “A mulher invisível” (2011) e “Doce de mãe” (2012), entre outras atrações —, Mauro considera que a comédia seja o tempero comum a todos os núcleos da narrativa, sobretudo aos tipos que circulam pelo sítio de Cunegundes (Elizabeth Savala) e Quinzinho (Ary Fontoura), figuras presentes em “Êta mundo bom!” que voltam a ter centralidade na história. Detalhe: o elenco mirim cresceu significativamente, e agora são dez crianças dentro da trama, que tem a cidade de São Paulo dos anos 1940 como cenário.

— A novela tem um pouco de um humor mais pastelão ou infantil. E a gente faz uso disso quanto a história pede — destaca o novelista. — O que não vai faltar é banho de lama.

Ente o elenco, novos atores — como Larissa Manoela, Nivea Maria, Heloísa Périssé e Tony Tornado —se juntam aos artistas que compuseram a equipe de “Êta mundo bom!” e agora retornam à cena, entre os quais Flávia Alessandra, Bianca Bin, Rainer Cadete, Eriberto Leão, Anderson Di Rizzi e Jeniffer Nascimento.

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