"Meio do Céu": Ubiratan Muarrek explica personagens recifenses em seu novo livro
Obra do escritor paulista narra o reencontro entre duas mulher do Recife em Londres
“Meio do Céu”, novo livro do escritor paulista Ubiratan Muarrek, é um drama tragicômico protagonizado por personagens recifenses. Em um momento carregado de simbolismo, a obra ganha lançamento por aqui nesta segunda-feira (30), às 19h, na Livraria do Jardim, onde o autor participa de um debate mediado pela professora e escritora Fernanda Pessoa.
Publicado pela editora Assírio & Alvim e escrita em formato de peça teatral, a obra é ambientada em Londres, em 25 de julho de 2000, quando um Concorde - avião comercial supersônico de passageiros - caiu nas proximidades de Paris, matando 113 pessoas. Neste dia fatídico, Sofitel e Greta, duas amigas do Recife, se reencontram em um parque da metrópole britânica.
Leia também
• Davi F. D. Miranda lança o livro "Mentira", neste sábado (28), no Recife
• "No meu caminho": Nobel da Paz Malala Yousafzai lança novo livro de memórias em outubro
• Clássico livro de Jane Austen, ''Razão e Sensibilidade'' vai ganhar remake no cinema
O embate entre as duas mulheres - uma branca e a outra negra - ressoa os dilemas contemporâneos do Brasil, um país com feridas do período colonial ainda abertas. Em entrevista à Folha de Pernambuco, Muarrek falou sobre a escolha do local de origem de suas personagens e das metáforas construídas na história.
Lançamento no Recife
Esse lançamento é o mais importante de todos para o meu livro: é a chance de oferecê-lo à terra que tanto me inspirou. Ousei escrever um drama com personagens recifenses, o que foi uma alegria imensa, mas também um enorme desafio. Cheguei a passar umas noites em claro, imagine. Como paulista, imaginei que essa escolha podia levantar questões de lugar de fala e até de apropriação cultural indevida de minha parte – o que eu acho um absurdo, mas hoje em dia nada é tão absurdo assim... De qualquer maneira, foram mais de dois anos de trabalho de texto, e de mergulho na cultura pernambucana – dos cortejos do Rei Congo a releituras de João Cabral e Suassuna -, o que me tornou um escritor melhor e mais feliz. Imaginar o Brasil a partir do Recife é um privilégio que eu me concedi.
Personagens recifenses
Escolhi personagens recifenses por dois motivos: pela língua que aqui se fala - ou seja, pelo sotaque do Recife, sua musicalidade e ritmo, seu apego tanto à tradição quanto ao futuro, o palavreado cheio de surpresas, sua beleza simplesmente. E, claro, há também um drama nesse falar recifense. Daí vem o segundo motivo dessa escolha: recifenses me parecem dramáticos por natureza, questionadores e incisivos, têm uma personalidade encantadora e forte, e uma visão política fundamental para o Brasil de hoje. Eu queria construir personagens com densidade histórica, e encontrei esse caminho tendo o Recife como local de origem, ainda que a ação do livro se passe em Londres. Eu quis universalizar o recifense. Consegui assim uma língua e personagens feitos sob medida para o tema do meu livro, que é o conflito que está aí colocado no mundo, a partir da linguagem.
Ponto de partida
Esse livro teve vários pontos de partida, que foram se acumulando até a costura final. O Concorde que passava sobre a minha cabeça quando eu morava em Londres – e que é uma coisa impressionante – certamente foi o ponto inicial. Um mapa astral que eu fiz, e que me apresentou a expressão “meio do céu” – que me encantou de imediato -, foi crucial. Imaginei o seguinte: todos temos, a princípio, um meio do céu na vida, que é o nosso sucesso aqui, vivos, na face da terra; mas se nascemos marcados pela nossa condição social e, digamos, racial, que desaba sobre nós, que meio do céu nos resta? Qual o meio do céu possível para a Sofitel ou o Isaías do meu livro, jovens negros oriundos do campo atirados nas periferias urbanas? Ou, por outro lado, qual o meio do céu de Greta, uma privilegiada pela fortuna, mas que vive numa bolha insana? Como conciliar meios do céu tão dispares numa mesma ideia de justiça, por exemplo? Desses questionamentos nasceu o livro.
Formato teatral
Sempre fui leitor de teatro, desde menino, quando me apaixonei pelas peças de Oscar Wilde. Diálogos me alucinam, e foi Wilde quem me aconselhou: quer escrever bons diálogos? Leia teatro. Bom, nunca mais parei, e se tem um livro que a meu ver sintetiza a arte literária no século 20 é Esperando Godod, de Samuel Beckett. Além disso, confesso que me cansei do romance, na verdade das novelas, que é o gênero literário dominante hoje, e que me aborrece como leitor. Acho essa literatura, em sua maioria, monótona, repetitiva e sem densidade cultural. Recorrer ao drama numa época dessas, trágica e cômica como é a nossa, me pareceu uma saída, e um bom veneno antimonotonia, como diria Cazuza.
Sobre o Brasil
Veja bem, “Meio do Céu” é apenas um livro, mas como livro ele tem a dizer o seguinte: quem tem salvo o Brasil do autoritarismo - e do fascismo simplesmente - há pelo menos duas eleições é o Nordeste; o berço mítico e histórico do Brasil é o Nordeste; o farol da cultura contemporânea do País está no Nordeste - e um tanto no Norte, sejamos justos. Então vamos deixar de lado a empáfia e o sotaque Rio-São Paulo que tem nos dominado há décadas, turbinado pela TV, que ora se apresenta inclusive decadente, e vamos nos olhar no espelho diante de nosso preconceito, que permanece vivo, infelizmente. Proponho um Brasil com uma outra dicção - a do Recife.
Serviço
Lançamento do livro “Meio do Céu”, de Ubiratan Muarrek
Quando: segunda-feira (30), às 19h
Onde: Livraria do Jardim - Avenida Manoel Borba, 292, Boa Vista
Entrada gratuita
Editora: Assírio e Alvim
210 páginas
Preço: R$ 69,90

