Membros do Boca Livre superam divergências políticas e voltam com novo single
Quarteto retoma laços após separação causada por postagens críticas de Maurício Maestro à vacinação contra a Covid-19
Em janeiro de 2021, o Boca Livre teve uma separação ruidosa: Zé Renato, David Tygel e Lourenço Baeta romperam com Maurício Maestro porque este vinha fazendo, nas redes sociais, postagens críticas à vacinação contra a Covid-19. O motivo foi tão forte que parecia impossível uma volta. Mas ela aconteceu: o quarteto está junto novamente.
Em entrevista por vídeo, cada um na sua tela, os quatro procuraram se desviar da polêmica.
"Não acho que seja a questão mais importante. O mais importante é a volta, o reencontro",afirma Maurício.
"Aconteceu do jeito que tinha que acontecer naquele momento, mas viramos a página. A retomada reforçou ainda mais ainda nossos laços musicais", diz Zé Renato.
"Não só os laços musicais, mas de amizade. São quase 50 anos. Não vamos deixar isso se perder por causa de detalhes", enfatiza Maurício.
Presentes no grammy
Lourenço é o único que admite ter ficado desconfortável com a ideia da volta.
— Eu era o mais refratário. Não sabia se ia dar certo, se a gente tinha gás para fazer esse negócio. Mas fiquei muito feliz porque foi o Maurício que me ligou: “Vamos retomar?” — conta ele. — É o reencontro de gente que se conhece há muito tempo e sabe o caráter, a honestidade de cada um. Isso faz bem à saúde.
Leia também
• Juíza colombiana que viralizou com show de lap dance em corte já se envolveu em outras polêmicas
• Juliano Muta lança "Cotovelo", segundo single do seu novo álbum; saiba mais
• Caetano Veloso anuncia novas apresentações de show do disco 'Transa'; veja datas
Todos destacam que houve um fato fundamental para a reaproximação: a conquista, em 5 de fevereiro passado, do Grammy internacional de melhor álbum de pop latino. Logo após a vitória inesperada, os três presentes ao Microsoft Theater, em Los Angeles, mandaram mensagens para Maurício compartilhando a alegria. O gelo quebrou de vez entre eles, que já tinham se falado quando saiu a indicação ao prêmio.
"O Grammy foi um catalisador", destaca Maurício.
"Foi um negócio que botou uma energia positiva em todos nós. Pudemos falar de novo: “Como gosto desse cara, é meu amigo há mais de 40 anos”, diz Lourenço.
O álbum premiado, “Pasieros”, tinha sido gravado em 2011. O detentor dos diretos é o panamenho Rubén Blades, que convidara o Boca Livre para interpretar suas composições, mas que só lançou o álbum em 2022. Do repertório, o quarteto apresentará duas músicas no primeiro show da retomada: em 5 de novembro, em Montevidéu, no Uruguai.
Muita coisa vai acontecer antes. Hoje, chegam às plataformas de streaming os dois primeiros discos do conjunto: “Boca Livre” (1979) — ainda com Claudio Nucci no lugar que Lourenço passaria a ocupar no ano seguinte — e “Bicicleta” (1980). Dois trabalhos heroicos por terem sido lançados de modo independente depois que as gravadoras fecharam as portas para o grupo. O diretor artístico de uma delas, aproveitando a onda da disco music, chegou a dizer que eles poderiam ser os Bee Gees brasileiros.
"A gente tem um orgulho danado desses trabalhos", afirma David. "Tivemos muita coragem para bancar o tipo de som que estávamos fazendo e no qual a gente confia plenamente até hoje. Lutamos contra tudo e contra todos".
O primeiro LP, que vendeu mais de 150 mil cópias, lançou canções como “Quem tem a viola” e “Toada”. O segundo teve a participação de Tom Jobim em duas faixas. O Boca Livre, aliás, contou com a admiração de artistas importantes desde o início, em 1978: acompanhou Edu Lobo no disco “Camaleão” e em shows; e esteve junto com Milton Nascimento no “Clube da Esquina 2”.
"Quando a gente ganhou o Grammy, veio na cabeça um filme da nossa história",recorda Zé Renato."Para nós, o prêmio serviu como um reconhecimento por todo o trabalho de 45 anos".
Em 27 de outubro, chegará às plataformas um single inédito, “Rio Grande”, melodia de Zé Renato e letra de Nando Reis. É a primeira gravação do conjunto após a volta. O plano agora é ir além e gravar um álbum.
"O reencontro no estúdio deu um gás, uma vontade de fazer mais coisas", anima-se Zé Renato. "Os arranjos vocais do Maurício exigem bastante, mas ainda estamos dando conta do recado".
A primeira vez em que os quatro estiveram reunidos num mesmo ambiente após o rompimento aconteceu em março passado. Foi num apartamento que era da família de Zé Renato, no Leblon, e que o grupo frequentara em outros tempos. Naquela conversa, a volta, até então considerada muito improvável, se tornou possível.
Shows e documentário
Em 2024, além de shows e, se tudo der certo, o álbum, o Boca Livre será tema de um documentário de Susanna Lira, diretora (com Rodrigo Alzuguir) de “Clara estrela”, sobre Clara Nunes, e de outros filmes e séries. Ele já captou imagens da gravação de “Rio Grande”, que também deverão ser usadas num clipe.
A pré-história do grupo começou em 1967, quando o Momento 4, do qual faziam parte Maurício e David, acompanhou Edu Lobo na vitoriosa apresentação de “Ponteio” no Festival da Record de 1967. O conjunto durou só dois anos, mas ficou a semente. Em 1977, Maurício e David decidiram fazer outro quarteto, que viria a ser o Boca Livre.
Os primeiros discos tiveram a produção de João Mário Linhares, que também está presente nos trabalhos atuais.
"Foi importante ele estar junto com a gente. É quase o quinto Boca" ressalta Zé Renato.

