Viúvo de Paulo Gustavo, Thales Bretas detalha convívio com os filhos
Exposição inédita sobre o humorista, idealizada pelo médico, reúne figurinos, fotos, instalações e peças da coleção de arte do comediante
Foram necessários quase quatro anos para que Thales Bretas se sentisse apto e “saudável”, nas palavras dele, para mexer nos pertences mais íntimos de Paulo Gustavo. Desde a morte do ator e comediante — em maio de 2021, aos 42 anos, devido a complicações decorrentes de uma infecção por Covid-19 —, o médico dermatologista, viúvo do artista, mantinha totalmente intactos os objetos pessoais do marido em casa. Se tentasse abrir e vasculhar armários, guarda-roupas, gavetas, estantes e caixas, a tristeza logo o repelia. A solução, então, foi deixar tudo intocado.
— Nesse período, fiz de tudo para me anestesiar. E aí comecei a trabalhar demais e a me ocupar de atividades a fim de me distrair — repassa Thales. — Só agora sinto que estou entrando em contato com a saudade e o luto de um modo que talvez me permita ressignificá-los. Evitei lidar com esses sentimentos... Na verdade, não pude! Não tive tempo para sofrer ou ficar saudoso e caído. Tenho dois filhos pequenos (Gael e Romeu, de 5 anos, frutos do casamento com o humorista) que precisam de mim com energia.
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A mágoa provocada pela perda ganhou uma nova forma — “mais saudosa e não tão dolorosa” — em 2024, depois de Thales passar seis meses sabáticos, junto às crianças, na casa da irmã e do sobrinho, no interior da Austrália. O principal motivo da empreitada no outro lado do mundo, como ele detalha, era afastar os filhos da permanente comoção coletiva em solo tupiniquim (“Queria que eles tivessem uma infância normal e saíssem para brincar nos parquinhos das ruas sem serem vítimas de pena”, explica).
A experiência foi transformadora. Tanto que, antes mesmo de voltar ao Brasil, Thales decidiu que era a hora de não só encarar de vez o acervo do marido, com quem viveu por sete anos, mas também de expô-lo aos fãs e admiradores. Não, não daria para fugir daquilo que o cercava — e que, a rigor, o constitui, como ele reconhece.
Curta-metragem inédito
A mostra “Rir, um ato de resistência” — que o Museu de Arte Contemporânea, o MAC, em Niterói, inaugura no domingo (13), em temporada que se estende até 1º de junho — dá corpo para o que Thales aponta como a “presença forte e constante” de alguém que partiu. Nas cinco galerias da instituição cultural na cidade natal de Paulo Gustavo, o público tem a chance de desvelar diversas facetas do criador da franquia “Minha mãe é uma peça” por meio de fotografias nunca antes expostas, figurinos de personagens, trajes e acessórios emblemáticos, peças grifadas e obras de uma vasta coleção particular de artes plásticas, com esculturas e telas assinadas por nomes como Adriana Varejão, Vik Muniz, Miguel Rio Branco, Os Gêmeos, Cristina Canale, Nelson Leirner e Rodrigo Matheus, entre outros.
— Paulo cultivava uma paixão crescente por artes plásticas — conta Thales, lembrando que a peça de 2,5 metros “CDR-14”, de Amilcar de Castro, especialmente exposta logo na entrada do museu, é uma das joias no jardim do imóvel que ele mantinha com o marido na Região Serrana do Rio. — O tráfego pelas diferentes formas artísticas era algo muito fluido, e Paulo vinha se inteirando, cada vez mais, sobre o universo das artes visuais.
Com idealização de Thales e curadoria de Nicolas Martin Ferreira e Juliana Cintra, a exposição também é marcada por instalações interativas e imersivas —numa delas, as pessoas poderão vestir as famosas perucas da personagem Dona Hermínia —, além de uma sala onde será exibido um curta-metragem inédito em homenagem ao humorista. O filme, realizado em parceria com a TV Globo e o Multishow, tem a assinatura da cineasta Susana Garcia, amiga e grande parceira profissional de Paulo Gustavo (é dela a direção do arrasa- quarteirão “Minha mãe é uma peça 3”, de 2019).
— Há dois pilares fundamentais na vida do Paulo, e que eu trago neste vídeo: o humor, com toda a leveza que ele nos proporcionava, e o amor, que inclui a família e os filhos — adianta Susana. — É essa combinação que nos nutre até hoje.
‘Meu filho continua comigo’
Artista que olhava para a vida e a profissão com uma “urgência frequente”, como relatam familiares ouvidos pelo GLOBO, Paulo Gustavo se envolvia amiúde num sem-número de trabalhos simultaneamente. Não à toa, há uma miríade de materiais inéditos, vários deles não concluídos, deixados pelo niteroiense. A lista inclui projetos como uma animação com alguns dos personagens famosos inventados por ele (vertidos para uma linguagem infantil), filmagens inéditas de espetáculos teatrais, roteiros para um longa com Heloísa Périssé e uma série televisiva... A família e os amigos desejam levar adiante grande parte dessas criações. Mas sem pressa.
Mãe de Paulo Gustavo e inspiração para a obra-prima do humorista — a inconfundível personagem Dona Hermínia —, Déa Lúcia, que hoje é conhecida simplesmente como Dona Déa, se enxerga como uma das pontas desse “legado vivo” deixado pelo filho. O jeitão despachado e espontâneo da integrante do elenco fixo do “Domingão”, programa dominical apresentado por Luciano Huck na TV Globo, é herança do artista.
— Foi Paulo Gustavo quem puxou esse lado humorístico em mim — ela reconhece, emocionada, ao ressaltar que, a todo momento, se sente preenchida pela “presença” do filho. — O luto não é um caminho reto, e a saudade está sempre por aqui. Todo dia é uma falta. Essa ausência pesa, mas eu sei que preciso aprender a lidar com isso. Não tem jeito! De certa forma, meu filho continua comigo em outros planos. Mas sempre presente.
Paternidade solo
Thales Bretas avisa que está longe de ser artista. Médico em atividade, o viúvo de Paulo Gustavo dá seu jeito de arregaçar as mangas (com o “pouco conhecimento” que tem, como diz) para preservar o legado do marido. A seguir, ele fala sobre os filhos, Gael e Romeu, os males da exposição nas redes sociais e o longo processo de luto.
O que mais sente hoje ao lembrar Paulo Gustavo?
O sentimento maior, com certeza, é saudade. A saudade é eterna. Às vezes vem um pouco de frustração e raiva. Mas sei que hoje não adianta ficar muito concentrado na revolta. Até a morte do Paulo teve um caráter político muito forte em nosso país, num momento de tanta displicência do governo.
Você recebe recados de fãs de Paulo Gustavo? É abordado nas ruas? Tornou-se alguém “conhecido” para um grande público, de certa forma...
Acho que vou levar isso para sempre. Essa é a história da minha vida. É o que me ajudou a construir quem eu sou hoje. Imagine só! Tudo o que vivi com o Paulo faz parte de tudo o que sou hoje: dermatologista, pai e alguém com uma vida pública, sim... Não dá para destacar isso de mim. Sei de todas as partes ruins que isso traz. Mas entendo também que preciso aprender a lidar com esse lado para tomar as rédeas da vida.
Gael e Romeu, os filhos que vocês tiveram juntos, falam muito sobre Paulo?
Num primeiro momento, meus filhos eram muito bebês e não entendiam as circunstâncias de adoecimento e morte. Hoje trago isso de uma forma mais natural e amorosa: sempre digo que eles são projetos de dois homens que se amaram muito e que tiveram o privilégio de gerá-los fora do país, com duas pessoas que se dispuseram a emprestar o útero da gestação solidária. E aí falo que o papai Paulo era um cara incrível, que realizou o sonho de ser pai, mas que ficou doente por causa de uma pandemia mundial.
E como eles reagem?
Eles entendem melhor. Os dois sabem que o pai era famoso, e que ainda é — até porque algumas pessoas ainda extravasam uma comoção ao encontrá-los. Os meninos dizem que a estrela mais brilhante do céu é o papai Paulo. Mas não falo excessivamente sobre isso. Falo à medida que sou solicitado. As crianças também precisam ter a forma de processar o luto da maneira delas.
Preocupa-se em não expô-los a esse mundo de fama?
Pois é, os dois são pequenos e não sabem o que é fama e como administrar isso. Mas ao mesmo tempo são “famosos” e vítimas da comoção. Então, evito mostrar o rosto deles. Isso estabelece um limite, e as pessoas passam a entender e a não pedir fotos nas ruas...
E como você lida com os julgamentos sobre sua vida nas redes sociais?
Seria hipócrita ao dizer que a opinião pública não me afeta. Algumas coisas me incomodam, pois é como se estivessem “medindo” o meu luto. Mas isso diz muito mais sobre as pessoas que estão falando do que sobre mim mesmo. Então, aprendi a lidar com isso.
Muitos parecem ter dificuldade de entender que sua vida precisa seguir, apesar da dor...
Exatamente. A maioria das pessoas tem carinho e quer me ver bem, feliz, amando de novo, me relacionando com alguém. Mas isso também não compete a ninguém em qual momento vai acontecer ou não. Para isso rolar, preciso estar me sentindo bem, apaixonado... São tantas variáveis! A única coisa que posso fazer é controlar minhas reações à opinião alheia. Tenho plena consciência de que fiz e faço tudo que acho que é certo dentro dos meus princípios.

