Sáb, 06 de Dezembro

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MODA

Luxo silencioso e crise do alto padrão: os desafios da Prada para reinventar a Versace

Grife compradora é raro caso de sucesso em meio à desaceleração do segmento, mas histórico de aquisições gera incertezas

Prada e VersacePrada e Versace - Foto: STEPHANE DE SAKUTIN / AFP

No maior negócio de luxo do ano, a Prada anunciou nesta quinta-feira a compra da Versace por 1,25 bilhão de euros (R$ 8,2 bilhões, na cotação atual) da Capri Holdings, um grupo nova-iorquino em dificuldades que, em certo momento, chegou a se autodenominar a "resposta" americana aos grandes grupos de moda franceses.

Prada e Versace são, na superfície, um estudo de contrastes. A Versace fez seu nome celebrando o brilho e a fantasia, deleitando-se com o sol, o sexo, o olhar masculino e a corda bamba entre o mau gosto e a elegância. Enfrenta, neste sentido, o desafio de como se posicionar em tempos de ascensão do "quiet luxury" (o "luxo silencioso"), tendência de adoção de peças mais discretas, sem logotipos nem estampas chamativos, com detalhes sutis e diferenciados. A Prada, por outro lado, abraçou uma exploração contrária do significado de políticas de gênero e do estranho fascínio do "chique feio".

A Versace se juntará à Prada e à Miu Miu, bem como à Luna Rossa, à equipe de vela da America's Cup, e à marca de doces Marchesi como parte do Grupo Prada, criando um mosaico "de primeira classe" do savoir-faire italiano. (O grupo também inclui as marcas de calçados Car Shoe e Church's.) A transação confere ao portfólio de moda do Grupo Prada uma marca de prêt-à-porter com uma identidade diferente das da Miu Miu e da Prada — aliás, uma que não depende da estilista Miuccia Prada.
 

Marido de Miuccia, Patrizio Bertelli afirmou em comunicado à imprensa que as marcas "compartilham um forte compromisso com a criatividade, o artesanato e a herança", bem como uma compreensão do poder da semiologia da marca — o triângulo invertido (Prada) e a cabeça de medusa (Versace) — e uma crença na importância da família.

Em um comunicado à imprensa, Andrea Guerra, CEO do Grupo Prada, afirmou que a aquisição adicionaria "uma nova dimensão, diferente e complementar" ao Grupo. "A Versace tem um potencial enorme", acrescentou, observando que "a jornada será longa".

O acordo é um sinal de fé no valor contínuo do "Made in Italy" em um momento em que os mercados financeiros estão em caos devido às políticas tarifárias drásticas do presidente Donald Trump. E também marca o fim da tentativa da Capri de criar um grupo de luxo americano para rivalizar com a LVMH e a Kering, ao mesmo tempo em que sinaliza uma tentativa da Prada de criar um concorrente italiano para as potências do setor.

"É uma iniciativa ousada e ambiciosa da Prada", disse Robert Burke, fundador homônimo da Robert Burke Associates. "A aquisição posicionaria a Prada para diversificar seu portfólio e competir em um cenário global mais amplo".

Raro sucesso global, mas histórico hesitante
A aquisição chega num cenário geral desafiador para o segmento de alto padrão, que, após a alta nas vendas no período da pandemia de Covid-19, patina em resultados em decorrência de uma recessão na Alemanha, de uma população japonesa envelhecida e da desaceleração das vendas na China, entre outros fatores.

O Grupo Prada tem sido um raro caso de sucesso durante a crise geral no mercado de luxo. Reportou receitas de 5,4 bilhões de euros em 2024, um aumento de 17%, impulsionado em parte pelo tremendo sucesso recente da Miu Miu, que registrou um crescimento de 93% nas vendas no varejo no ano passado.

Em contraste, em seu relatório financeiro mais recente, a Capri, que também é dona da Michael Kors e da Jimmy Choo, afirmou que esperava que as receitas da Versace caíssem para US$ 810 milhões em seu atual ano fiscal, ante US$ 1 bilhão em 2024.

A Prada planeja financiar a aquisição tomando um empréstimo de mais de 1 bilhão de euros. O plano foi aprovado pelos conselhos de ambas as empresas, que esperam que o negócio seja fechado no segundo semestre do ano, aguardando a aprovação dos órgãos reguladores.

A Versace tem sido vista como um potencial alvo de aquisição desde que uma tentativa da Tapestry, grupo que inclui a Coach e a Kate Spade, de adquirir a Capri foi bloqueada no ano passado pela Comissão Federal de Comércio (FTC). (A especulação de que a Prada também compraria a Jimmy Choo, dada sua expertise em artigos de couro, não se confirmou.)

 "Os negócios da Versace precisam de uma reviravolta completa", disse Luca Solca, analista sênior da empresa de pesquisa Bernstein, para quem o histórico da Prada com aquisições "deixa muito a desejar".

De fato, a aquisição da Versace não é a primeira tentativa da Prada de estender sua fórmula vencedora a outras marcas. Em 1999, após uma década em que ajudou a definir a moda italiana, a Prada fez uma onda de aquisições, como de Jil Sander e Helmut Lang, duas marcas que pareciam compartilhar uma abordagem intelectual de vestir com a marca principal do grupo.

No entanto, descobriu-se que a alquimia que Miuccia Prada e seu marido, Patrizio Bertelli, criaram na Prada era intransferível. O grupo vendeu Lang em 2005 e alienou Sander no ano seguinte. A Versace lhes dará a oportunidade de reescrever essa narrativa.

Miuccia Prada é próxima de Donatella Versace, que assumiu a direção da empresa fundada por seu irmão Gianni em 1997, após seu assassinato. Embora Donatella tenha deixado o cargo de diretora de criação no mês passado, após quase 30 anos, ela continua embaixadora-chefe da marca, na esteira de um senso de responsabilidade de garantir o futuro do legado de seu irmão. Ela estaria "encantada" por ter sua marca de volta às mãos da família.

O Grupo Prada está listado na Bolsa de Valores de Hong Kong, mas Bertelli permanece como presidente. Lorenzo Bertelli, um dos dois filhos de Patrizio Bertelli e Miuccia Prada, é diretor de marketing e considerado o herdeiro aparente da empresa, fundada em 1913 pelo avô de Prada. O designer que substituiu Donatella Versace na Versace, Dario Vitale, passou os 14 anos anteriores na Miu Miu trabalhando com Miuccia Prada (diretora criativa da Miu Miu e codiretora criativa da Prada com Raf Simons). Ele está "voltando para casa".

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