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"A intenção é provocar debates sobre temas como psicanálise e acupuntura", diz Pasternak sobre livro

Livro "Que bobagem", escrito em conjunto com o jornalista Carlos Orsi, gerou polêmica ao classificar acupuntura, psicanálise e homeopatia como pseudociências

Natália Pasternak Natália Pasternak  - Foto: Reprodução

O livro "Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério", escrito pela microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC) e colunista do Globo, e pelo jornalista Carlos Orsi, diretor da entidade, mal foi lançado e já causa polêmica. A obra, dividida em 12 capítulos, aborda temas classificados como "pseudociência", que vão desde astrologia até poder quântico e pensamento positivo.

Mas a grande polêmica em relação ao livro está centrada em três práticas comuns na saúde brasileira que, segundo os autores, não tem respaldo científico robusto. São elas: acupuntura, homeopatia e psicanálise. Em entrevista ao GLOBO, Pasternak comenta as críticas à obra e explica por que essas práticas são consideradas pseudociências, ao lado de temas como astrologia, deuses astronautas e paranormalidade.

Por que vocês decidiram escrever o livro?
Decidimos escrever o livro para trazer esses temas, que sempre estiveram presentes na sociedade, para o debate público. "Que bobagem!" traz o outro lado de práticas que são aceitas na sociedade brasileira e vistas como científicas pela população, geralmente sem contestação, para o debate. E eu acho que nisso ninguém pode dizer, gostando ou não dos temas, que nós não fomos bem-sucedidos. Os temas estão finalmente no debate público.

"Que bobagem!" foi alvo de críticas entre integrantes da comunidade médica e científica. Uma recepção bem diferente do livro anterior lançado por vocês, o "Contra a realidade". Vocês já esperavam por isso?
Sim, já esperávamos críticas ao livro, de pessoas reclamando de um ou dois capítulos com os quais não concordam. Tanto que no próprio livro, antecipamos que muita gente ia gostar de uma parte da obra, mas não de tudo. Isso aparece quando comentamos sobre a experiência do Martin Gardner, em um livro publicado por ele há 60 anos, que também aborda várias pseudociências. Na segunda edição do livro dele, há um prefácio sobre a reação das pessoas à primeira edição. Ele diz que recebeu muitas cartas de pessoas falando “o livro é muito bom, eu adorei quase tudo. Mas nesse capítulo, você se enganou feio”. Então esperávamos uma reação parecida porque, como já dizia Gardner, as pessoas têm uma pseudociência de estimação e ficam bastante incomodadas quando a sua pseudociência preferida é colocada ao lado de outras práticas que elas consideram uma bobagem. Então é a reação que a gente vê, por exemplo, entre psicanalistas que estão ofendidos de ver a psicanálise ao lado de temas como homeopatia, deuses astronautas e astrologia, que eles próprios consideram bobagens e que deveriam estar no livro. Mas a psicanálise não. Mas algo que não esperávamos e aconteceu foi a agressividade e a misoginia que acompanharam muitas das críticas. E também a crítica ao que chamamos de "crítica ao índice do livro", porque são pessoas que não leram o livro, não sabem o que temos a dizer sobre cada uma das práticas, mas que ao verem sua prática preferida no índice, já escrevem um tratado criticando um livro que nunca leram. Então, esse tipo de crítica é bastante inesperado. Mas enfim, sociedade moderna.

Vocês já esperavam que os temas mais polêmicos fossem justamente homeopatia, acupuntura e psicanálise?
Esperávamos principalmente homeopatia e medicina tradicional chinesa. Em relação à psicanálise, esperávamos que fosse incomodar, mas não tanto, porque, afinal, a psicanálise é apenas meio capítulo do livro. Ela está dentro do capítulo de psicomodismos, junto com uma análise de outros tipos de terapias como constelação familiar e outras coisas que são muito populares no Brasil.

Por que a homeopatia, a acupuntura e a psicanálise são consideradas pseudociências?
A acupuntura é citada no capítulo de medicina tradicional chinesa e é abordada da mesma forma que a homeopatia. Trazemos uma análise histórica do contexto social, histórico e político onde essas práticas surgiram. A acupuntura, por exemplo, surgiu, no contexto da revolução comunista. Em seguida, exploramos todos os estudos clínicos controlados que foram feitos sobre a prática e que mostram que a acupuntura não consegue ter um efeito além de um placebo, como a homeopatia. No caso da psicanálise, trazemos o tema para o debate, principalmente porque entre os psicanalistas não existe um consenso se a psicanálise é ciência ou não. Então, se nem os psicanalistas concordam se a psicanálise é ou não é uma ciência, achamos pertinente trazer este tema para o debate. Também trazemos análises científicas da psicanálise como uma atividade terapêutica, mostrando que ela não tem embasamento teórico válido e, como terapia, os ensaios clínicos mostram que não é possível separar o “efeito terapeuta” do “efeito teoria”. Ou seja, o efeito da psicanálise, que pode ser benéfico para muita gente, não consegue ser separado do efeito de um bom terapeuta, com quem o paciente se identifica, desenvolve uma boa relação e não necessariamente tem a ver com a teoria que está sendo aplicada. Esse são temas que são muito pertinentes para o debate e eu não vejo como eles podem ser ofensivos para alguém.

Mas então a psicanálise não é uma ciência propriamente dita?
Exatamente. A psicanálise é colocada no livro porque ela não passa pelo crivo de um rigor metodológico. Deixamos muito claro na introdução do "Que bobagem!" o que entendemos por pseudociência na definição prática, não filosófica. Na forma como estamos abordando, pseudociências são práticas que são vistas como científicas pela sociedade, mas que não passaram pelo crivo metodológico da ciência. Freud colocou a psicanálise como uma ciência e ela uma aura de ciência na sociedade e o livro vem esclarecer isso. Fazemos uma análise de vários tipos de psicoterapia e o que a ciência tem a dizer sobre elas. É uma análise crítica. Não é um livro opinativo. É um compilado do que vários autores especialistas têm a dizer sobre aquele assunto. Nós somos comunicadores de ciência. Isso nos qualifica profissionalmente para falar de ciência para um público não especialista e, justamente, fazer essa tradução do que a ciência tem a dizer sobre determinados assuntos. As pessoas têm o direito de ter acesso a todos esses tipos de informação.

Existem diversos estudos sobre homeopatia, acupuntura e psicanálise. Isso não é o suficiente?
Ter estudos não é sinônimo de que algo funciona. Tem estudo sobre qualquer coisa. É muito fácil dar essa vestimenta de ciência e dizer que existem estudos publicados, revisados pelos pares, sobre determinado assunto. Mas difícil é separar o joio do trigo. E como fazer isso? Entendendo como funciona o método científico, quais são os estudos tipo padrão-ouro e o que é um estudo clínico controlado. Dedicamos grande parte da introdução do livro a explicar o que é um estudo controlado, grupo placebo e efeito placebo para dar ao leitor um guia como navegar nesse universo e entender o que é uma evidência científica válida. Quando avaliamos a metodologia, a interpretação dos resultados e as conclusões desses estudos, percebemos que quanto maior o rigor metodológico do estudo, menor o efeito daquela pseudociência. Isso é visto para homeopatia, acupuntura, curas energéticas, etc. Quanto maior o rigor, mais fica claro que o efeito é placebo ou que não há efeito. E é justamente essa análise de rigor metodológico que trazemos no livro.

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