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BRASIL

Acesso a creche aumenta no país, mas amplia desigualdade com falta de vagas para mais carentes

Levantamento do projeto Todos Pela Educação mostra que atendimento cresceu 4% entre famílias mais ricas e diminuiu 0,7% entre as mais pobres

Sala de creche no município de Areiópolis (SP), no interior paulista Sala de creche no município de Areiópolis (SP), no interior paulista  - Foto: Diego Moreira/Secretaria de Educação do Estado de São Paulo

Um levantamento do Todos Pela Educação mostra que o pequeno crescimento de acesso à creche no Brasil registrado em 2024 foi puxado por crianças de famílias ricas — o que, na prática, resultou num aumento da desigualdade de acesso a essa etapa escolar no país.

O estudo analisou, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad-C) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de alunos de 0 a 3 anos entre as 20% famílias mais ricas e as 20% mais pobres do país. No primeiro grupo, 56% tinham acesso à creche em 2023 e isso passou para 60% em 2024. Já entre as mais carentes houve ainda uma leve queda de 31,3% para 30,6% nesse mesmo período.

Estudos apontam que é na primeira infância que o ser humano se desenvolve mais e mais rápido. Por isso, ela é considerada uma “janela de oportunidades”. Nesse período, formam-se as bases do desenvolvimento cognitivo, físico e socioemocional. Até os 6 anos, o cérebro realiza 1 milhão de sinapses por segundo e 90% das conexões cerebrais são estabelecidas.

 

— O impacto mais importante é no desenvolvimento das crianças. A grande maioria delas não tem em seus domicílios um ambiente adequado para estudar, um adulto com condições de dar atenção plena para as interações que elas precisam. Por isso, quando são privadas desse tipo de oportunidade (acesso à creche), seu desenvolvimento fica mais restrito com impactos até a vida adulta — afirmou o diretor de Políticas Públicas do Todos, Gabriel Corrêa.

Em 2024, o Brasil teve 4,18 milhões de crianças de 0 a 3 anos matriculadas (41,2% dos brasileiros dessa faixa etária). Esse número é apenas 64,8 mil maior do que em 2023 e corresponde a um patamar de atendimento bem menor do que previa o Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, que tinha como meta 50% das crianças de 0 a 3 anos na creche até 2024.

Os dados mostram ainda que o percentual baixo de crianças mais pobres fora da escola não significa necessariamente falta de interesse das famílias. De acordo com a Pnad, 28,3% dizem que não matricularam suas crianças na escola por dificuldades de acesso, como falta de vagas. Entre os mais ricos, esse patamar é de apenas 6,1%.

— Além disso, há um impacto secundário que é a impossibilidade de trabalho dos responsáveis dessas crianças, especialmente das mães, que não têm com quem deixar seus filhos se não conseguem vaga na creche — diz Gabriel Corrêa.

De acordo com ele, o crescimento da desigualdade se dá pelo fato de que famílias com melhores condições financeiras conseguem colocar seus filhos em escolas privadas, mas também pela expansão da rede pública que não está privilegiando áreas mais pobres das cidades.

— O dado da Pnad não faz essa separação (de escolas públicas e privadas), mas sabemos que dentro dessa porção de 20% das famílias mais ricas também há crianças em creches municipais em alguns lugares — diz Corrêa. — E, nas áreas mais ricas, há mais oferta de creches privadas que as prefeituras podem fazer convênios. Por isso, esses espaços acabam sendo privilegiados.

Nos casos mais graves de desigualdade, a diferença de acesso à creche de crianças ricas e pobres passa de trinta pontos percentuais. É o caso do Rio Grande do Sul, Paraíba, Amapá, Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Paraná (veja ao lado). Em São Paulo, isso chega a 29,8 pontos percentuais e, no Rio, a 27,6.

Obras para expansão
Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou um decreto que institui a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI). A proposta ainda não teve seus detalhes definidos, mas O Globo apurou que há a expectativa de um programa robusto de criação de novas vagas de creche.

Outra meta que está sendo discutida é o aumento gradual de 20% ao ano das matrículas de tempo integral na creche e pré-escola. Atualmente, esse patamar é de 31% dos alunos dessas etapas escolares.

Segundo o Ministério da Educação (MEC), a expansão de vagas na educação infantil é uma das prioridades. A pasta argumentou que, em 2024, a construção desses equipamentos foi incluída pela primeira vez no Programa de Aceleração do Crescimento e que o orçamento do Programa de Apoio à Manutenção da Educação Infantil (EI Manutenção), que investe na criação de novas turmas e novos estabelecimentos, alcançou R$ 240 milhões no ano passado. Isso significa mais 35 mil vagas em creches.

“Entre 2023 e 2024, houve incremento de 20% no número de obras concluídas de creches, de 223 unidades em 2023 para 269 unidades em 2024. Esse crescimento refletiu na criação de aproximadamente 13,6 mil novas vagas em dois turnos (ou 6,8 mil vagas em período integral). Para 2025, até o momento, já foram concluídas 312 creches, gerando 61.568 novas vagas em dois turnos (ou 30.784 vagas em período integral), o que indica tendência de crescimento na oferta”, afirmou, em nota.

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