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CHINA

Governo chinês promove turismo na região duramente atingida de Xinjiang

Após anos de ataque às suas tradições, China destina agora grandes quantias de dinheiro para promover uma versão mercantilizada da cultura uigur com o objetivo de atrair turistas

 Xinjiang Xinjiang - Foto: Pedro Pardo/AFP

Os viajantes chineses lotam os bazares da antiga Kashgar, como 'kebabs' de cordeiro e absorvem uma versão mercantilizada da cultura uigur — parte da política do governo para transformar a devastada região de Xinjiang em um paraíso turístico.

Numa recente visita da AFP, milhares de turistas lotaram os becos da cidade, compraram lençóis de seda e pães locais, ou tiraram fotos em frente à fachada amarela da mesquita Id Kah.

"A cidade velha é o coração e a alma de Kashgar, com sua longa história, rica cultura e arquitetura única", diz um guia turístico uigur, que acompanha um grupo de visitantes, principalmente da etnia han, majoritário na China.

Kashgar, que já foi um oásis na Rota da Seda, esteve há pouco tempo no centro de uma campanha antiterrorista contra a população uigur, em grande parte muçulmana, desta região do noroeste.

Os arredores da cidade ainda estão repletos de centros que o Partido Comunista falou como escolas de formação, mas que investigadores e líderes ocidentais consideraram campos de detenção ilegais para muçulmanos.

Depois de anos de ataque às suas tradições, o governo chinês destina agora grandes quantias de dinheiro para promover uma versão mercantilizada da cultura uigur com o objetivo de atrair turistas.

“Muitos turistas gostam tanto que voltam, abrem negócios (...) e vivem aqui com outras minorias minorias, como uma grande família”, diz o guia uigur.

Esta celebração turística contrastou com as políticas das autoridades, como a proibição de uso do véu islâmico ou barba longa, ou a demolição de grande parte da cidade velha de Kashgar.

Este foi o destino do Grande Bazar de Kashgar, que já abrigou milhares de comerciantes de especiarias e tecidos e agora é uma pilha de escombros.

"Propaganda positiva"
O poder chinês vê o turismo como uma forma de desenvolver esta região rica em recursos, mas historicamente pobre. Essa estratégia ganhou força este ano com o fim da política restritiva anticovid.

No mês passado, o presidente Xi Jinping pediu para “reforçar a propaganda positiva e demonstrar uma nova atmosfera de abertura e confiança de Xinjiang”.

O departamento regional de turismo planeja gastar cerca de 700 milhões de yuans (quase 100 milhões de dólares ou 496 milhões de reais) em 2023, mais que o dobro do que foi destinado em 2019.

Paralelamente, foi anunciada uma série de novos projetos na região, de hotéis de luxo a parques, incluindo rotas ferroviárias.

Entre estes projetos estão acordos de mais de 1,7 bilhão de dólares (8,4 bilhões de reais) com marcas de hotéis ocidentais, como Hilton, Sheraton ou InterContinental, informou em junho o jornal do Partido Comunista, People's Daily.

O turismo também ofereceu uma oportunidade para Pequim responder às críticas de suas políticas em Xinjiang.

Pesquisadores, ativistas e uigures exilados denunciam anos de abusos sistemáticos, como detenções em massa, trabalho imposto, controle de natalidade imposta e doutrinação.

"As pessoas parecem oprimidas? A cidade parece uma prisão a céu aberto como dizem os Estados Unidos?", questionou um jornalista pró-governo na rede social X (antigo Twitter) em julho, junto com imagens dela comendo e dançando com moradores locais em Kashgar.

O Ministério das Relações Exteriores da China disse à AFP que em Xinjiang "a vida das pessoas está melhorando continuamente, os espaços culturais estão prosperando e a religião é harmoniosa e acolhedora".

O desenvolvimento do turismo coincide com a flexibilização das medidas de segurança nas cidades, onde as uigures estavam anteriormente sujeitas a inspeções contínuas. Agora, em Kashgar, a AFP viu apenas alguns policiais.

Mas fora do circuito turístico, em uma cidade majoritariamente uigur de Yengisar, uma placa em um cemitério islâmico proibia "atividades religiosas", como ajoelhar-se, prostrar-se ou recitar as escrituras.

Uma dúzia de mesquitas perto de Kashgar foram fechadas e abandonadas.

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