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CIÊNCIA

Nicolelis anuncia polo inédito de neurotecnologia para reabilitação de pacientes em Milão

Cientista brasileiro inaugura primeiro centro do que busca ser uma rede mundial de tratamentos avançados com interfaces cérebro-máquina

Interface cérebro-máquina desenvolvida por Nicolelis que será usada na neuroreabilitação de múltiplas doenças neurológicas no polo italianoInterface cérebro-máquina desenvolvida por Nicolelis que será usada na neuroreabilitação de múltiplas doenças neurológicas no polo italiano - Foto: Divulgação / Instituto Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro

O Instituto Nicolelis de Estudos Avançados do Cérebro, vinculado à Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa (AASDAP) e criado pelo cientista brasileiro Miguel Nicolelis, anunciou nesta terça-feira uma parceria de longo prazo com duas organizações italianas – o Hospital IRCCS San Raffaele e a Universidade Vita-Salute San Raffaele – para criar um Polo de Neurotecnologia no país e levar tratamentos baseados em interfaces cérebro-computador (BCIs, da sigla em inglês) a pacientes na Europa.

A iniciativa é a primeira como parte do Projeto “Treat 1 Billion”, idealizado por Nicolelis, que busca disseminar globalmente neurotecnologias que sejam não invasivas, seguras, eficientes e de baixo custo. Para isso, a meta é estabelecer polos regionais em todos os continentes, explica o professor emérito do departamento de Neurobiologia da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e um dos pioneiros no desenvolvimento de BCIs:

— O objetivo é criar a maior rede mundial de pesquisa básica e clínica em interface cérebro-máquina. O hub em Milão vai ser o nosso europeu, o hospital é um dos maiores do continente. Estamos negociando com potenciais parceiros na África, na Ásia e nos Estados Unidos. No Brasil, meu instituto em São Paulo vai ser a sede, mas estamos em negociação com locais do mesmo porte do Hospital San Raffaele, em Milão, para que sejam os hubs regionais. Queremos trazer tudo isso para o Brasil, que tem a chance de ser um dos líderes nessa área.

As interfaces cérebro-computador, ou cérebro-máquina, são tecnologias inicialmente pensadas para pacientes com paralisias graves que buscam registrar a atividade cerebral e transmiti-la a um computador, um braço robótico, um celular, um exoesqueleto ou outros dispositivos.

 

Resultado de um trabalho de décadas, o time de Nicolelis ganhou destaque internacional no tema ao construir o exoesqueleto controlado pela mente utilizado por um jovem com paraplegia na abertura da Copa do Mundo do Brasil, em 2014. Na ocasião, o paciente conseguiu dar o primeiro chute do campeonato, durante a cerimônia na Neo Química Arena (antiga Arena Corinthians).

O novo polo italiano, que passou por um período de planejamento de dois anos, no entanto, vai oferecer tratamentos em larga escala que vão além de uma lesão medular. A ideia é ter protocolos de reabilitação para pacientes com doenças neurológicas como Parkinson, derrames, esclerose múltipla, epilepsia crônica, entre muitas outras, explica Nicolelis:

— Descobrimos que a estimulação eletromagnética não invasiva da medula espinhal fornece um alívio para uma condição muito grave do Parkinson que é o congelamento da marcha, que é quando o paciente literalmente congela e não consegue mais andar. Com outros estudos, descobrimos que essa mesma terapia acoplada a uma interface cérebro-máquina poderia ser usada para outras doenças neurológicas e possivelmente psiquiátricas. A interface que estamos implementando é genérica e permite que o mesmo sinal do cérebro que o paciente gera seja usado para estimular a medula, os músculos e, nos casos em que for necessário, controlar um exoesqueleto.

Os aparelhos são desenvolvidos com um conjunto de métodos não invasivos de leitura da atividade cerebral, como por meio de toucas com eletrodos; realidade virtual; robótica e técnicas de neuromodulação.

— Vamos ter pesquisa e tratamento em paralelo, oferecendo reabilitação e, ao mesmo tempo, rodando estudos clínicos de grande porte. Na área de neurotecnologia, ninguém tem essa infraestrutura. A previsão é que comece a funcionar oficialmente em junho, quando celebramos 10 anos do chute da Copa do Mundo — continua o cientista.

O reitor da Universidade Vita-Salute San Raffaele, professor Enrico Gherlone, celebrou a parceria. Em nota, destacou o objetivo de, nos próximos anos, ter as nanotecnologias como uma “medicina avançada” com aplicações potenciais “na melhora das saúdes motora e cognitiva, e também na abordagem de doenças neurológicas e psiquiátricas”.

“Sem dúvida, tudo isso representa uma oportunidade crucial, especialmente para nossos residentes, proporcionando a eles a oportunidade de interagir com tecnologia de ponta, única na Europa”, afirmou.

Além do Centro de Neuroreabilitação, a fase inicial do polo italiano também prevê a criação de um Laboratório de Neurodados e um programa de Neurotelemedicina. Estão sendo planejadas ainda iniciativas educacionais, como a criação de um Programa de Neuroreabilitação para profissionais da saúde, um curso global em BCI, um programa de bolsas de graduação, e, eventualmente, um programa de Graduação em Neuroreabilitação com BCI.

O polo será construído no campus da Universidade, e Nicolelis assumirá a posição de professor visitante ao coliderar a colaboração. O professor Alan Rudolph, que também guiará as atividades do novo hub, enfatizou que o local vai não apenas expandir o trabalho em técnicas de reabilitação inovadoras, como também treinar uma nova geração de profissionais.

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