Pássaro que infectou boi no Texas iniciou surto da nova gripe aviária em mamíferos, diz estudo
Variante hipercontagiosa do vírus saltou de ave selvagem para um único bovino em meados de 2023 e se espalhou sem ser notada por cerca de meio ano
A epidemia de gripe aviária da variante 2.3.4.4b, que afeta várias fazendas de gado nos Estados Unidos e já atingiu 72 pessoas, começou depois de um único evento de transmissão de uma ave selvagem que contaminou um boi ou uma vaca no Texas em meados de 2023.
A conclusão é de um estudo do Departamento de Agricultura dos EUA, publicado hoje na revista Science. Segundo o trabalho, essa cepa hipercontagiosa do vírus H5N1 sofreu algumas mutações que a tornam mais virulenta em mamíferos quando ainda circulava só em pássaros.
A conclusão foi tirada a partir da análise do material genético de amostras do vírus em aves selvagens, frango, gado e outros mamíferos colhidas ao longo dos últimos anos.
Medindo a taxa de mutações (alterações nas informações do RNA do vírus) os cientistas conseguiram estimar que o evento inicial que desencadeou a epidemia ocorreu entre o do meio para o final de 2023.
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Os cientistas, liderados pelos biólogos Carl Hutter e Thao-Quyen Nguyen, afirmam que a epidemia se espalhou silenciosamente com o transporte de gado nos EUA durante cerca de meio ano, até ser identificada em março de 2024.
Segundo os cientistas, apesar de a epidemia já ter resultado na contaminação de pessoas, com pelo menos duas mortes, não há ainda um sinal claro no genoma do vírus de que ele possa se transmitir de humanos para humanos.
Alguns sinais marcadores de capacidade de infecção entre outros mamíferos já existem no RNA do 2.3.4.4b, porém, o que gera preocupação.
"Alguns marcadores moleculares que podem levar a mudanças de eficiência de transmissão foram detectados em baixas frequências", escrevem Hutter e Nguyen. "Mas a transmissão continuada dessa gripe aviária H5N1 altamente patogênica em gado leiteiro aumenta o risco de infecção e, posteriormente, de espalhamento do vírus para populações de humanos e outros hospedeiros."
Cientistas acreditam que casos humanos registrados até agora, a maioria nos EUA, ocorreram com transmissão de gado para pessoas. O fato de uma mutação do vírus em uma única ave ter conseguido desencadear surtos entre bovinos, porém, gera preocupação.
Segundo a Organização Panamericana de Saúde (Opas), dos 1.081 surtos detectados em mamíferos entre 2024 e 2025, uma parcela de 95,5% ocorreu em gado. Os 4,5% restantes ocorreram em animais selvagens, como os guaxinins, e alguns animais domésticos, incluindo gatos. (O consumo de leite não pasteurizado é uma provável via de transmissão.)
A Opas afirma que aves selvagens contaminadas foram encontradas em cinco dos dez países que estão fazendo monitoramento da cepa 2.3.4.4b nas Américas, incluindo o Brasil. Em granjas, já foram identificados mais de 776 surtos até ontem, a grande maioria nos EUA, no Canadá e no Peru.
Os surtos em rebanhos bovinos ainda estão restritos aos EUA, mas já se espalharam do Texas para outros nove estados do país.
Conexão brasileira
O governo brasileiro se diz preocupado e já começou a montar um plano de contingência para enfrentar uma eventual pandemia em animais e humanos.
Um grupo de cientistas ligados ao Ministério da Agricultura realizou um levantamento genético recente das cepas do vírus encontradas em animais selvagens no Brasil.
"A análise filogenética do primeiro surto de gripe aviária altamente contagiosa no Brasil indicou que a provável fonte de introdução do vírus foi a migração de aves selvagens infectadas ao longo da rota do Pacífico", afirma em Lia Coswig, pesquisadora do Ministério da Agricultura que fez o levantamento com duas outras colegas.
"Dados de vigilância epidemiológica mostram que o primeiro surto em aves silvestres no Brasil ocorreu durante o período de migração de aves marinhas na zona costeira brasileira, em populações de andorinhas-do-mar, no período de abril a setembro, com movimentos regionais nas ilhas costeiras dos estados do Espírito Santo a Santa Catarina", completa Coswig.
A via costeira do espalhamento do vírus acabou provocando a infecção de animais do mar, especialmente leões-marinhos. Dos 163 surtos desta cepa detectados até abril no Brasil, uma parcela de 155 ocorreu em pássaros selvagens, outros 3 em aves de quintal e 5 em mamíferos marinhos.
Sem granjas e fazendas afetadas, o país ainda goza de status livre da doença para efeitos de comércio internacional, mas cientistas afirmam que o risco sanitário não pode ser ignorado. Isso é verdade sobretudo a partir de agora, com a descoberta que uma única ave gerou o surto em rebanhos dos EUA.
O estudo americano não aponta que espécie de ave exatamente pode ter provocado o evento de contaminação para bovinos identificado, mas há grande probabilidade que a família dos anatídeos (que engloba patos, gansos e cisnes) esteja implicada.
A cepa do vírus já havia sido capturada em em espécies como o pato-de-asa-azul e a piadeira-americana, que ocorrem da Amazônia até o Canadá.
"Nosso estudo demonstra que a Influenza Aviária tipo A é um patogeno transfronteiriço que requer coordenação entre agências regulatórias e entre organizações de saúde pública e saúde animal para melhorar a saúde dos hospedeiros e reduzir o risco de pandemia", escreve Hutter, na Science.

