Comemoração: Dia Internacional do Chef
É tempo de conhecer o trabalho de quem coloca a mão na massa para fazer do dia 20 de outubro uma data para aprender e refletir
Quando o chef francês Paul Bocuse sentenciou que na sua profissão era “preciso ser um pouco exibicionista”, ele não se referia apenas à própria rotina dentro de um restaurante estrelado. Mas a um perfil que começava a ser exportado para cozinheiros de todo o mundo, através da Nouvelle Cuisine, lá nos anos 1960. Dessa época em diante, o sentido de colocar a mão na massa, assinar um cardápio e liderar uma equipe ganhou conotações mais abrangentes. Envolve sentimento, consciência e faz do 20 de outubro, o Dia Internacional do Chef de Cozinha, uma data para refletir sobre a importância de vestir o dólmã.
Embora a citação acima soe polêmica, ela se referia, já naquela época, ao universo de quem assume a linha de frente da produção. “O chef está?”, solta o cliente de qualquer mesa, cujo prato motiva elogios reconfortantes ou críticas nada fáceis. A forma como se estabelece esse diálogo, que leva o cozinheiro direto para os olhares do salão, é construída por cada profissional através do seu nome e sobrenome. “Bocuse soube dizer que não se consegue ir a canto algum sozinho. Também foi um dos primeiros a trabalhar o marketing de forma arrojada, trazendo o perfil glamourizado no lugar do soldado executor”, define a ex-aluna do Instituto Bocouse, a chef Luciana Sultanum.
Ainda no exemplo de muitos franceses, é trajetória com ponto alto estabelecido pela quantidade de estrelas Michelin listada no currículo. Um limiar entre sonho e pesadelo, mesmo em tempos de avaliação via Instagram, TripAdvisor e outros recursos da web, com canal aberto para o público se expressar sobre alguns trabalhos. O Guia Michelin lida desde 1900 com o fascínio temporário da classificação - possível em até três estrelas - que exerce pressão para os chefs manterem o padrão em meio às expectativas dos clientes. Há quem preferiu voltar no tempo e abrir mão de tamanha cobrança, como o francês Jöel Robuchon, em 1996. Quem rejeitou o guia por críticas aos seus avaliadores, como o britânico Marco Pierre White, em 1999. E até quem cometeu suicídio aos 52 anos, com medo de perder suas estrelas em 2003. Esse foi o também francês Bernard Loiseau.
Bagagem profissional
Quando o pernambucano César Santos entrou para a gastronomia, há mais de 30 anos, a nomenclatura ‘chef’ nem tinha o peso conhecido dos dias de hoje. Os cursos na área eram técnicos e muito do que se fazia no mercado local era inspirado nas condições estrangeiras. “O mais difícil foi conquistar bons fornecedores. Uma Relação de confiança que só se consegue com o tempo. Naquela época, quem eu era para o mercado?”, lembra, ao apontar o valor de se ter uma trajetória sólida.
O dia a dia no seu Oficina do Sabor, em Olinda, foi determinante para construir um trabalho que valoriza os ingredientes locais, sem fechar os olhos para tudo em volta de negócio como um restaurante. Formar uma equipe, entender de finanças, descascar cebola e lavar panela são ações que vão além de um título. “A palavra chef pode ser aplicada a qualquer pessoa que se destaca naquilo que faz. Ela pode ser chef do departamento de fotografia, de administração ou de outra atividade em que se esteja à frente. Mas, hoje, é mais fácil alguém pedir um estágio na cozinha já se intitulando um chef, sem ter a menor habilidade nas funções básicas”, conta César. Hoje, comanda equipe com 40 pessoas e toma conta de uma casa que completa 26 anos no próximo mês. Ele não para!
Rotina x glamour
Em uma de suas entrevistas para a imprensa, o chef espanhol Joan Roca, do já eleito melhor restaurante do mundo, o El Celler de Can Roca, disse que sua mãe foi quem soltou o melhor conselho sobre sua profissão. “Seja generoso, tudo neste negócio é sobre hospitalidade e fazer as pessoas felizes”. Para o chef Claudemir Barros, do Oleiro Cozinha Artesanal, existe uma rotina intensa, que, nem sempre, é vista na televisão. “O estrelismo é só para quem vê e não para quem vive no meio. Até porque, nem sempre aquela figura popstar se distancia completamente dos seus afazeres. Paola, Jacquin e Fogaça, do MasterChef, estão na mídia, mas também nas cozinhas. Só que menos em relação ao cozinheiro comum”, aponta.
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Ainda segundo Claudemir, a consciência deve ser despertada nas escolas de formação, aonde muitos estudantes chegam com aquele leiaute estrelado da mídia. “É ir além do ‘fazer comida’, mas ter um papel social, sabendo onde se está. Contar histórias e construir novos caminhos através da comida, ressignificar ingredientes e, assim, restabelecer conexões do povo com seu local”, diz Gi Nacarato, nome da nova geração de cozinheiros no Estado. Ela, mesmo entre uma entrevista e outra, principalmente para este caderno, não deixa de estar imersa em rotinas cheias de conhecimento, como a do restaurante Quina do Futuro, do mestre André Saburó.
Seu professor, aliás, é figura bastante procurada por profissionais de todos os segmentos da gastronomia."Quem não expande o conhecimento, cresce, porém sozinho. Pode alcançar algum posto rapidamente, mas sua equipe vai demorar para entender aquilo que você está fazendo fora", diz Saburó. Sobre o glamour, ele acrescenta: "Tem chef que você nunca ouviu falar, mas movimenta milhares de refeições diárias. São cozinheiros de refeições corporativas, que fazem o que amam, coordenam sua equipe e uma brigada inteira", resume.
"O chef de cozinha é aquele que está à frente de uma brigada, cuidando da equipe, das finanças do restaurante e do seu cliente"
Claudemir Barros
"É preciso entender sobre as escolhas dos ingredientes, estudar cada prato e buscar o contexto no qual o alimento se encontra"
Gi Nacarato
"Bocuse soube dizer que não se consegue ir a canto algum sozinho. Também foi um dos primeiros a trabalhar o marketing de forma arrojada"
Luciana Sultanum
O chef dos chefs é aquele que rompe barreiras, tem visão ampla de gestão e está atento à pesquisa e à inovação"
André Saburó
Para ser um chef
O curso mais conceituado no mundo é a Le Cordon Bleu, em Paris. Este ano, a instituição abriu filiais no Rio de Janeiro e em São Paulo
Um dos cursos de cozinheiro mais tradicionais de Pernambuco é o Senac-PE, existe há 40 anos.
Ano passado, o Senac-PE formou 104 novos cozinheiros e 55 auxiliares de cozinha. Números dentro da capacidade máxima da estrutura física. ( 52% são mulheres e 48% homens)
Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep), há 9 cursos superiores de gastronomia no Brasil e 168 com formação de tecnólogo


