'Abismo Tropical', de Paulo Caldas, apresenta crônica sobre o dia da eleição de Bolsonaro
Filmado na Avenida Paulista, documentário chega à plataforma de streaming Innsaei.tv
É a partir de um ponto de vista pessoal e repleto de temores que, no documentário “Abismo Tropical”, o diretor paraibano Paulo Caldas narra o dia 28 de outubro de 2018. Mais de dois anos após a data da eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, o filme chega ao streaming. A estreia na plataforma Innsaei.tv ocorre nesta quarta-feira (4), após debate, às 20h, do diretor com o cineasta Kleber Mendonça Filho e a ativista e multiartista Preta Ferreira.
Classificado pelo diretor como uma crônica, o longa traz o registro em imagens da cidade de São Paulo nas horas que precederam a eleição presidencial. Ao longo de 24 horas, duas equipes de filmagem captaram a movimentação na Avenida Paulista, entre comemorações dos apoiadores do candidato eleito e o cotidiano de moradores de rua, comerciantes e transeuntes aparentemente alheios ao resultado das urnas.
“Desde o período pré-eleitoral, eu - assim como muita gente - vivia um estado de angústia com o que poderia estar por vir. Fiquei com vontade de fazer um filme pensando naquele momento, para entender como isso estava me afetando e olhando também para as outras pessoas”, relembra Paulo.
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As observações sobre o dia em questão são narradas pelo diretor em primeira pessoa. Enquanto demonstra uma profunda preocupação com o futuro do País, Paulo relembra seu próprio passado. Reflexões sobre a relação com pai - um militar de esquerda - e os anseios artísticos no período da universidade, por exemplo, dão ao documentário também um aspecto autobiográfico.
“Abrir isso foi muito difícil, porque eu sou um pouco tímido e resguardado. A primeira vez que vi o filme no cinema com público, durante Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2019, foi muito assustador. É uma exposição, de certa forma, mas que eu vi como necessária. Achava que falar de mim mesmo daria força e profundidade à obra”, defende.
Com 72 minutos de duração e filmado em preto e branco, o longa apresenta todas as cenas em câmera lenta. Já o som do ambiente aparece distorcido em alguns momentos ou silenciado em outros. Essas escolhas estéticas são a soma de linguagens que Paulo vem experimentando ao longo dos anos, mas também casam muito bem com a sensação de angústia que o diretor deseja imprimir neste trabalho.
Entre tantas cenas presenciadas no dia das gravações, o que mais chamou a atenção do cineasta foi a apologia à violência demonstrada em gestos pelos eleitores bolsonaristas. Durante as comemorações, é possível ver crianças - com rostos desfocados - fazendo sinais de armas com as mãos ou batendo em um boneco do ex-presidente Lula. “Acho que essa foi a coisa mais aterradora. É tudo o que nós não precisamos no Brasil, que já é um país extremamente violento”, pondera.
“Abismo Tropical” chega ao streaming, às vésperas das eleições municipais, levantando questionamentos sobre as ameaças ao sistema democrático brasileiro. Para Paulo Caldas, é possível construir uma resistência através do cinema, mesmo com apoios públicos cada vez mais escassos.
“Tenho o projeto de um filme de ficção que se passa na pandemia, de baixíssimo orçamento, que estou preparando para filmar entre janeiro e fevereiro. Vamos fazer isso, junto com coprodutoras e outros parceiros, sem nenhum apoio governamental, numa construção muito mais da cadeia produtiva. Venho acompanhado esse tipo de iniciativa também em outros grupos. Então, por mais que tenha desaparecido praticamente na totalidade o apoio federal, essa indústria vai encontrar saídas para tentar manter a produção”, analisa.

