"Betinho: No Fio da Navalha" mostra a impressionante trajetória de Herbert Souza sem canonizá-lo
"Betinho: No Fio da Navalha" está disponível no Globoplay
Não é de hoje que a televisão investe em produções biográficas. Mas “Betinho: No Fio da Navalha”, que estreou no começo de dezembro no Globoplay, mostra uma particularidade interessante em relação ao que se via antes: hoje, a dedicação à caracterização é cada vez mais intensa. Tanto que, como a produção mistura imagens de arquivo da época com gravações que simulam a mesma cor e cenário, não é difícil ver o protagonista Júlio Andrade interpretando o personagem-título e refletir se não se trata de algum registro do próprio homenageado.
Júlio Andrade é mesmo um dos maiores artistas brasileiros atuais. Aos 47 anos, o gaúcho não só brilha em cena como também assina a direção junto com Lipe Binder. Em oito capítulos, a obra destrincha a trajetória do sociólogo Herbert de Souza, que se tornou conhecido principalmente por sua luta nas causas sociais, em especial o combate à AIDS e à fome. Para ficar parecido com Betinho, o ator emagreceu sete quilos, raspou a cabeça para facilitar a utilização de peruca e usou próteses tanto nos dentes quanto no nariz. E, quanto ao resultado, impressiona quem tem na memória a imagem do ativista em diferentes fases da vida dele.
O elenco, aliás, é todo bom. Talvez exatamente por não ter aqueles nomes que vivem se revezando entre uma novela e outra. Em “Betinho: No Fio da Navalha”, a maior parte das pessoas que atuam é mais vista no cinema, no teatro ou em séries mesmo. Como Leandra Leal, que dá vida à primeira mulher do sociólogo, Irles, e Thelmo Fernandes, escalado para interpretar o advogado e ex-governador do Rio de Janeiro Nilo Batista. Outro ponto alto na produção é a ambientação, já que a história começa ainda na década de 1960 e se estende até os anos 1990.
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Apesar de se tratar de uma figura bastante conhecida, “Betinho: No Fio da Navalha” é uma excelente oportunidade para conhecer partes da vida do ativista que não chegaram a ficar tão marcadas para quem não viveu o período da ditadura. Sua luta contra o sistema de governo aparece bastante nos dois primeiros episódios e o fez inclusive se exilar no exterior. A cena do seu retorno ao Brasil é comovente, principalmente para quem se lembra do período em que brasileiros viravam notícia porque conseguiam voltar à própria pátria.
Infectado pelo HIV ainda nos primeiros anos da epidemia, em 1986, Herbert de Souza foi uma das pessoas que mais lutou contra o preconceito e em movimentos de defesa dos direitos dos portadores do vírus. Esse é um tema que ganha bastante destaque na série, mostrando inclusive como funcionava o fluxo de doação de sangue antigamente. Hemofílicos, ele e os dois irmãos eram constantemente submetidos a transfusões, que ocasionaram na contaminação dos três.
“Betinho: No Fio da Navalha” mostra a fundação da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, a ABIA, que presidiu até a sua morte, em 1997, nove anos depois que Chico Mário, interpretado pelo irmão de Júlio Andrade, Ravel Andrade, e o cartunista Henfil perderam a batalha para a doença. As cenas emocionam e retratam um período duro para quem se descobria com HIV. Como a festa de aniversário de uma criança completamente vazia de amiguinhos pelo fato dela ter um pai soropositivo.
Além de toda a referência histórica que “Betinho: No Fio da Navalha” carrega, é preciso valorizar também a ausência de pretensão de transformar o personagem principal em santo. Longe disso: no trato com a família – especialmente com a primeira mulher e com o filho mais velho, Daniel, papel de Filipe Bragança –, Betinho erra demais. Dá até para sentir raiva, mesmo diante de todo o legado que ele deixou. Daniel é, inclusive, um dos consultores e produtor associado da obra. Ou seja, há muito do que o filho via sobre o pai ali. E que foi bem corajoso da parte dele expor na série.

