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"Café com Deus Pai": como os livros devocionais furaram a bolha evangélica e são aposta de editoras

"Me impressiona ver o pessoal da Faria Lima incluindo o devocional na rotina, como se fosse ginástica', diz representante da editora Rocco, que vai apostar em linha 'ecumênica"

Café com Deus Pai edição de 2025Café com Deus Pai edição de 2025 - Foto: Divulgação

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Ao pedir a mão de Vanessa Kurashiki no reality show “Casamento às cegas”, da Netflix, Leonardo Plácido leu um trecho de “Café com Deus Pai”, livro que ela lhe dera de presente:

“A chave da sua vitória está em confiar nos apontamentos relevados pelo Criador. Você também não pode desistir, tenha fé, pois se o Criador prometeu ele irá cumprir.”

E completou com suas próprias palavras: “Deus nunca erra a hora certa. E a hora certa chegou. Quer se casar comigo?” Vanessa conta que até hoje recebe mensagens perguntando que livro era aquele que os dois liam juntinhos no programa.

Lançado em 2020 (e com novas edições todo ano), o livro do pastor catarinense Junior Rostirola é o maior best-seller do Brasil desde 2023.

Já vendeu quase seis milhões de cópias, ganhou versões em cinco línguas (inglês, espanhol, francês, italiano e alemão) e para crianças e adolescentes.

Também virou podcast (mais de 50 milhões de streams em 2024) e ainda operou o milagre da multiplicação: títulos como “Café com Jesus”, “Encontro diário com Deus”, “Conversa com Deus Pai” não param de aparecer nas listas de mais vendidos.

Até editoras não religiosas estão atrás desse leitor que gosta de começar o dia com uma dose de espiritualidade — e de compartilhar esses momentos de comunhão divina nas redes sociais.

Essas coletâneas de meditações diárias inspiradas em passagens bíblicas são chamadas de devocionais.

Historicamente associados aos protestantes, esses livrinhos vêm sendo abraçados por leitores das mais diversas confissões religiosas — e mesmo por aqueles que cultivam a espiritualidade fora das comunidades de fé. Nem Leonardo nem Vanessa são evangélicos.

Depois de 15 anos na Seicho-No-Ie, ela se reaproximou do catolicismo pouco antes de entrar no “Casamento às cegas”. Ele foi batizado na Igreja Católica, passou pelo espiritismo e pela umbanda, hoje vai à missa com a mulher e comenta “Café com Deus pai” nas redes sociais.

"Quando ele não posta, as pessoas vêm me cobrar" diz Vanessa, que é advogada, assim como o marido. 

"“Café com Deus Pai” é uma leitura simples, que acessa a todos. Traz as referências bíblicas, mas tem um viés meio coach, é para melhorar o seu dia"

É precisamente ao fenômeno do coaching que um editor (que prefere não se identificar) atribui parte do sucesso dos devocionais.

Na visão dele, os próprios autores às vezes encarnam a figura do coach. E depois de tantos anos de crise (analisada exaustivamente na literatura de não ficção), o público tem preferido leituras mais reconfortantes do que profundas.

Se o consolo for respaldado pela Bíblia e vier com um chamado a se posicionar diante dos desafios da vida, tanto melhor.

Na mensagem de terça-feira (4), “Café com Deus Pai” convidou os leitores a vencer a timidez tirando lições de um episódio do Êxodo:

Moisés lamenta não ter a eloquência necessária para convencer o faraó a libertar os hebreus escravizados. Mas Jeová o encoraja lembrando que ele, “o Senhor”, é quem “deu a boca ao homem” .

"Uma palavra como essa leva a olhar para dentro de si. Se foi um ser superior quem te escolheu, pô, vai lá e faz sem medo de ser feliz e sem machucar ninguém" comenta Leonardo.

"Ajuda do alto"
Rostirola rejeita o rótulo de “autoajuda”. “Café com Deus Pai”, esclarece o pastor, é “ajuda do alto, ajuda dos céus”.

"Creio que “Café com Deus Pai” furou a bolha porque muitas pessoas sabem que não encontraremos as verdadeiras respostas dentro de nós mesmos, mas no relacionamento com o Deus Pai" diz ele, que vê “com muita alegria o crescimento da literatura devocional no Brasil” e começou nesta quinta-feira (6) uma turnê por Espanha e Portugal.

O autor coleciona testemunhos de leitores que “venceram a ansiedade, a depressão e a rejeição e receberam cura e esperança” graças à comunhão espiritual incentivada pelo livro.

Filho de um pai alcoólatra e agressivo, Rostirola conta que enfrentou “bloqueios emocionais” até o início da vida adulta, quando encontrou em Deus um “pai presente”.

Hoje, destaca ele, as vendas do devocional sustentam projetos sociais para apoiar crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência.

Autora de “Conversa com Deus Pai” (Ciranda Cultural), Amanda Veras diz que o segredo de um bom devocional está na linguagem, que deve ser “bíblica, simples e acessível”.

Lançado em novembro, o livro dela já vendeu 22 mil exemplares e os leitores são convidados a entrar num grupo de WhatsApp para aprofundar as discussões.

"A mensagem hoje (quarta-feira, dia 5) foi baseada num texto da carta do apóstolo Tiago que aconselha a ser “pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar”. No grupo, propus refletirmos sobre nosso comportamento. Nossa escuta é ativa? É empática?" explica a autora, que conheceu os devocionais aos 18 anos, quando passou a frequentar uma igreja evangélica, e se recorda de que um presente de Natal popular entre os irmãos era a coletânea “Pão diário”, publicada desde 1980.

Samuel Coto, diretor editorial da HarperCollins, insiste que a novidade não são nem os devocionais nem o hábito de tirar uns minutinhos para se conectar com Deus, mas a visibilidade que essa literatura e essa prática, intrínsecas à cultura protestante, vêm ganhando.

Livros religiosos, diz ele, sempre venderam bem e agora encontram espaço em livrarias que sempre tiveram pouca oferta de títulos cristãos.

Dona do selo religioso Thomas Nelson, a HarperCollins investe em devocionais para o público evangélico, como “Bênção diária”, do influente pastor americano Max Lucado, com mais de 600 mil cópias vendidas, e “Forte”, da também americana Lisa Bevere, indicado para as mulheres.

"Existem livros que são fenômenos cristãos, como “O Deus que destrói sonhos” (de Rodrigo Bilbo), que só quem é da igreja vai entender. Já “Café com Deus Pai” é um fenômeno brasileiro, porque transpôs as barreiras denominacionais ao se conectar com a espiritualidade popular" afirma o editor, lembrando que não é de hoje que o mercado editorial está de olho no leitor espiritualizado.

"Editoras seculares já publicaram devocionais de sucesso no passado, como “O chamado de Jesus” (de Sarah Young), best-seller que saiu pela Sextante"

Agora é a Rocco que vai apostar em livros religiosos. Os primeiros lançamentos têm pegada devocional: “Os tempos do destino”, da jornalista Márcia Peltier, apresenta reflexões provocadas pelo Eclesiastes, e “Novisalmos”, do pastor Fábio Sombra, traz 172 meditações em verso inspiradas pelo mais citado livro da Bíblia.

"Nossa linha será mais ecumênica. Queremos fazer livros tanto para o evangélico que vai ao culto todo domingo quanto para o cara que não é tão religioso, mas vai à missa às vezes e faz suas orações em casa — adianta Bruno Zolotar, gerente de marketing e vendas da editora, admitindo que o sucesso de proporções bíblicas de “Café com Deus Pai” incentivou a guinada espiritual da editora.

A Rocco vai lançar redes sociais exclusivas para divulgar os livros religiosos e investir em canais de venda e distribuição que atendem diretamente o público de fé, como livrarias localizadas em templos e feiras especializadas.

Zolotar prevê que o boom dos devocionais atingirá seu pico este ano e depois tende a arrefecer. Mas deve se manter como um nicho próspero — assim como os romances hot, que explodiram há mais de uma década com “Cinquenta tons de cinza” e ainda hoje vendem bem.

"Eu sigo tudo quanto é gente no Instagram e me impressiona ver o pessoal da Faria Lima incluindo o devocional na rotina, como se fosse ginástica" diz ele.

Vanessa Kurashiki, a moça pedida em casamento com um trecho de “Café com Deus Pai”, hoje prefere leituras mais profundas para guiá-la na interpretação da Bíblia, mas indica os devocionais a todos que gostariam de um incentivo para exercitar a espiritualidade.

"A fé é como se fosse um músculo. Se treinamos nosso corpo, por que não precisaríamos treinar também a nossa fé?" questiona ela, que foi apresentada a “Café com Deus Pai” por colegas de academia.

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