Seg, 22 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
CINEMA

Documentário de Sandra Kogut sobre eleição de 2022 retrata impossibilidade do diálogo

'No céu da pátria nesse instante', que estreia nesta quinta-feira (14), acompanha a campanha eleitoral, a posse de Lula e a tentativa de golpe em 8 de janeiro

Atos do dia 8 de janeiroAtos do dia 8 de janeiro - Foto: Reprodução

No dia 8 de janeiro de 2023, a cineasta carioca Sandra Kogut suspirou aliviada: “Enfim, um domingo tranquilo.” Fazia tempo que ela não tinha folga. Em 7 de setembro de 2021, quando o então presidente Jair Bolsonaro deu mostras de retórica golpista num ato na Avenida Paulista, ela decidiu fazer um filme sobre as eleições do ano seguinte.

Passou meses acompanhando lulistas, bolsonaristas e trabalhadores da Justiça Eleitoral. Registrou a intimidade dos eleitores, as campanhas, os acampamentos em frente a quartéis do Exército e a posse do presidente Lula. Mas um telefonema interrompeu o descanso daquele domingo. Era uma das personagens do documentário, uma militante do PT: “Você está vendo o que está acontecendo?”

Sandra viu pela TV as invasões de prédios públicos no Distrito Federal e acionou um fotógrafo do filme em Brasília. Ele se vestiu de patriota, foi para a Praça dos Três Poderes e conseguiu registrar de perto homens e mulheres enrolados na bandeira nacional pedindo a intervenção das Forçadas Armadas (aos brados de “Salve o Brasil”) e depredando patrimônio público. As imagens aparecem nos minutos finais de “No céu da pátria nesse instante”, que estreia nesta quinta-feira (14) nos cinemas após circular por festivais como os de Málaga, na Espanha, do Rio e de Brasília.

Para contar a história das eleições de 2022, Sandra Kogut preferiu dar protagonismo a “cidadãos anônimos”. O único político filmado é Marcelo Freixo. A diretora registrou os bastidores de sua campanha ao governo do Rio, mas o foco não estava nele, e, sim, na roteirista (e agora diretora de conteúdo e programação da EBC, a Empresa Brasil de Comunicação, uma entidade pública federal) Antonia Pellegrino, com quem ele é casado, e no medo que ela sentia (“A questão mais tensa é a da segurança”, diz ela).

 

Dona de uma carreira sólida e autora de filmes como “Mutum” (2007), ficção inspirada numa novela de Guimarães Rosa que recebeu menção honrosa no Festival de Berlim, Sandra descreve “No céu da pátria nesse instante” como o trabalho mais difícil que já fez. Custou muito ganhar a confiança dos personagens, em especial dos bolsonaristas, já que ela nunca escondeu seu voto no adversário. Aliás, o filme começa com o áudio de uma mulher dizendo que só toparia dar entrevista se fosse “do bem”: “Se for para favorecer os vermelhinhos, eu tô fora.” Um bolsonarista que topou aparecer foi o caminhoneiro paranaense Ferreirinha, cuja família frequentava uma igreja evangélica em que a pregação política era explícita.

— Tive momentos de embate com Ferreirinha, mas nós dois fazíamos um esforço enorme para não brigar. Sempre fui muito transparente. Falei: “Olha, eu não estou aqui para te convencer de nada. Tenho uma curiosidade genuína de tentar entender como você vê as coisas” — diz Sandra, que ano passado montou uma instalação baseada no filme, então inédito, no Sesc Niterói (RJ). — Quis olhar para essas pessoas para além dos estereótipos.

Crença de tom religioso
Ouve-se pouco a voz da diretora no documentário. Ela intervém apenas quando quer que um personagem se explique melhor. Nesses momentos, fica explícita a impossibilidade do diálogo. “Vai ser difícil a gente debater um assunto, porque eu estou vendo uma realidade e você vê outra”, resume Ferreirinha depois de repetir o discurso falso de que as urnas eletrônicas teriam sido fraudadas.

— Eu pedia para eles me mandarem os vídeos que recebiam. Era um volume de desinformação impressionante! Eles tinham vídeos para rebater tudo o que eu falava — afirma a cineasta.

A certa altura, ela pergunta a um entrevistado como ele sabia que os vídeos que consumia avidamente não eram falsos. Ele responde: “Não dá para explicar. É o dom do discernimento, é algo que vem de Deus.”

— O diálogo é difícil, mas não tem outro caminho — insiste Sandra, que pensa em filmar as eleições de 2026 da perspectiva de Rute, uma trabalhadora da Justiça Eleitoral em Anajás, na Ilha de Marajó.

Veja também

Newsletter