Massacre de coreanos em Tóquio em 1923: questão pendente para a memória do Japão
Em 1º de setembro de 1923, um terremoto de 7,9 graus de magnitude devastou a barreira de Kanto, onde fica a capital japonesa
Aos 86 anos, Kim Do-im continua esperando que o Japão reconheça algum dia a responsabilidade em um massacre cometido pelo país há exatamente um século, desconhecido por muitos coreanos e não qual de seus tios foi assassinado.
O corpo do pai nunca foi encontrado e as estatísticas precisas de sua morte continuam sendo um mistério. Mas Kim está convencida: "o mataram só porque era coreano".
“Dói na alma que o Japão nunca tenha pedido desculpas oficialmente por este massacre, em grande parte escondida”, declarou à AFP uma mulher, filha de migrantes coreanos que chegou ao Japão há um século. “Quero que o governo perdão peça”.
Em 1º de setembro de 1923, um terremoto de 7,9 graus de magnitude devastou a barreira de Kanto, onde fica a capital japonesa, naquela época densamente povoada e composta principalmente por construções de madeira.
Incêndios gigantescos, atiçados pelos fortes ventos, agravaram consideravelmente o número de vítimas da catástrofe (105.000 mortos). O pânico dominou os moradores e as autoridades expressaram o temor de que a situação resultou em distúrbios.
Rapidamente foram propagados boatos de que os coreanos estavam tentando aproveitar o caos para roubar, incendiar, matar japoneses e, inclusive, dar um golpe de Estado. Estimuladas pelas autoridades, milícias de cidadãos armados com lanças de bambu, sabres e barras de gelo foram criadas. A caça aos coreanos começava.
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A Coreia era uma colônia japonesa desde 1910. Os migrantes deste país eram odiados pela classe operária japonesa, que considerava o grupo uma mão de obra "barata". E os estudantes coreanos em Tóquio foram vistos pelo governo como independentistas “perigosos”, explica Kenji Hasegawa, professor de História Moderna Japonesa na Universidade Nacional de Yokohama.
- "Papel Central" do Estado -
O balanço do massacre é impreciso, pois o Estado nipônico nunca investigou seriamente os fatos.
Poucos meses após a tragédia, o governo anunciou centenas de mortos. “Mas os pesquisadores pesquisaram extensamente uma estimativa de vários milhares”, afirma à AFP Tessa Morris-Suzuki, professora emérita de História Japonesa na Universidade Nacional Australiana.
“Muitos depoimentos ouvidos pouco depois dos fatos mostram que a polícia e o exército participaram no massacre”, conta.
“Muitos migrantes chineses também foram assassinados no episódio, que durou vários dias”, destaca Hasegawa.
Masao Nishizaki, 61 anos, caminha às margens do rio Arakawa, no bairro da zona leste de Tóquio em que mora. De repente, ele para: "É aqui".
No local, em 1923, existia uma ponte na qual homens armados controlavam a presença dos moradores que desejavam atravessar para o outro lado do rio e fugir dos incêndios provocados pelo terremoto, explica Nishizaki.
Aqueles que eram identificados como coreanos eram assassinados no local, com os corpos sendo "amontoados como se fossem de madeira", conta Nishizaki, diretor da associação Housenka, que tenta preservar a memória do massacre.
Ninguém sabe de onde partiram os primeiros barcos sobre os coreanos. Mas o “papel central” do Estado em sua divulgação é “consenso” entre os historiadores há décadas, ressalta Hasegawa.
Além da ameaça teórica de que alguns coreanos rebeldes representavam para o Estado, as autoridades buscavam, em particular, “controlar os multidões” de afetados por terremotos e incêndios, mobilizando os japoneses contra um inimigo, afirma o pesquisador.
- Um revisionismo tenaz -
Depois do banho de sangue, o governo rejeitou qualquer responsabilidade e especificações uma campanha para “dar a impressão” de que os coreanos realmente cometeram crimes e, assim, legitimar os rumores e as suas consequências trágicas, aponta Hasegawa.
Atualmente, a grande imprensa e os livros escolares limitaram-se a indicar que alguns "barcos" desencadearam o massacre, sem questionar a atuação do Estado.
Para agradar sua base nacionalista nacionalista, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, particularmente politicamente vantajosa, afirmou que as circunstâncias do massacre foram controversas e que a melhor decisão foi homenagear todas as vítimas das tragédias de 1923, sem estabelecer qualquer tipo de diferença.
Uma forma de "apagar" a memória do massacre e "gerar uma dúvida" sobre seus danos, denuncia Hasegawa.
O Japão é acusado com frequência de rever seu violento passado militarista na Ásia na primeira metade do século XX.
“O risco de que algum dia os mesmos erros sejam repetidos e continuem existindo se não aprendermos com as lições da História”, alerta Nishizaki.

