No Dia das Mães, mulheres reforçam a importância do cuidado com a saúde mental
Descubra os desafios silenciosos da maternidade e como o "amor mais forte do mundo" necessita de autocuidado
Ela não é invencível. Não é impassível de falhas ou imune ao sofrimento. Sente tristeza, culpa e dores que talvez não consiga dimensionar. Condicionada para ser uma heroína, mas seu superpoder está justamente em ter todas as fraquezas naturais e, ainda assim, ser a personificação do maior amor do mundo. Que acolhe, ensina e resiste. Que cuida e, acima de tudo, precisa ser cuidada.
Neste domingo de Dia das Mães, a Folha de Pernambuco conversou com mulheres que ressaltaram a importância da atenção com a saúde mental após a maternidade. São tantas definições para elas que, por vezes, a principal fica oculta. Mãe também é gente.
Silmara Luz, terapeuta autora do livro "Mãe também é gente"Autocuidado
A frase que conclui o parágrafo acima também é título de um livro escrito por Silmara Luz, terapeuta especializada em saúde emocional das mães. “Cuidar da mãe é a melhor maneira de cuidar do filho. A gente se preocupa tanto em ser a melhor mãe possível, mas, na verdade, tudo que a gente precisa é ser feliz. Fazendo isso, eles também estarão felizes porque vão aprender com a gente”, disse.
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A ideia de escrever o livro veio justamente após ter a experiência da maternidade com o nascimento do filho, percebendo um misto de sentimentos que muitas vezes as mães se negam a admitir.
"Tive depressão pós-parto. Sentia amor pelo meu filho, mas, ao mesmo tempo, queria ficar só. Eu me culpava por isso. Tive acompanhamento com três terapeutas antes de ficar bem e perceber o desejo de me especializar em cuidar de mães. Muitas vezes as pessoas não conseguem compreender o que sentimos”, relatou.
“A mãe tem a sensação de que pode dar conta de tudo e, quando não consegue, se sente fraca. Ela é uma mulher que tem necessidades, vontades e não pode se sentir culpada por isso ou achar que é apenas uma extensão do bebê", completou.
Atípicas
O desafio da maternidade é ainda maior para um grupo de mães, as chamadas “atípicas”, que possuem filhos com alguma doença crônica, deficiência, condição neurodivergente ou distúrbio, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Sâmia Lacerda, fundadora e gestora da Rede Mira (Mulheres e Identidades Restauradas por Apoio), realçou a importância de ampliar o debate sobre políticas públicas voltadas para as mulheres.
“Na nossa sociedade, a mulher ainda é muito sozinha, principalmente quando vira mãe. Faltam mais políticas públicas para elas. Como viver bem, por exemplo, morando em lugar de alto índice de violência, esgoto passando na frente de casa e pouco dinheiro? No meu caso, eu tenho a condição de poder colocar meu filho em uma clínica que auxilia na evolução dele, mas sei que não é a realidade de todas”, disse a gestora.
O filho dela, Leonardo, de sete anos, é acolhido na Clínica Mundos, espaço de tratamento multidisciplinar para neurodivergentes, com unidades no Recife e em Caruaru.
Juliana Amorim ao lado do filho, Lucas, de nove anosIsolamento
“A mãe atípica, quando ela não é isolada, ela mesmo se isola. Já tive vários sintomas de depressão e ansiedade. Mas à medida que meu filho foi crescendo, isso foi passando. O tempo vai colocando as coisas em seu devido lugar”, afirmou Juliana Amorim, mãe de Lucas, de nove anos, diagnosticado com autismo, Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).
A administradora é uma das fundadoras da Clínica Grupo Acolher, com unidades nas cidades de Cabo de Santo Agostinho e Jaboatão dos Guararapes, voltada para o acompanhamento de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“Eu passei dois anos sem trabalhar. De repente deixei toda minha vida profissional de lado para acompanhar meu filho, mas não suportei. Ele precisava que eu estivesse feliz. Não me sentia dessa forma cuidando só dele. Precisava ter outras realizações na minha vida, além da maternidade. Hoje tenho o privilégio de Lucas ser atendido na minha clínica e acompanhar de perto toda evolução dele”, comemorou.
Cinthia Cardoso, ao lado filho, Nuno, de 16 anosCinthia Cardoso, da Clínica Nuno Desenvolvimento, com unidades no Recife e em Carpina, complementou citando um desafio comum nas mães: o de encarar o crescimento do filho, Nuno, e os desafios, para ambos, no processo.
“Aos 16 anos, ele vive a expectativa de ser um adolescente normal. Quer namorar, ter amigos, mas sabemos que o problema é a sociedade. Acho que a finitude também é o que mais amedronta as mães. O medo de sabermos que não estaremos para sempre ao lado deles”.
Fases
Assim como os filhos, as mães também amadurecem ao longo da jornada. "É muito comum nos primeiros anos de maternidade a mãe tirar um pouco da prioridade dela e depositar no filho. Esse é o período que exige mais atenção à saúde mental. Na fase do puerpério, tanto pela questão hormonal como pela emocional, o psicanalista (Donald Woods) Winnicott diz que a mulher vive o que se denomina de ‘loucura materna primária’ ou ‘preocupação materna primária’. Não no sentido patológico, mas do cuidado com o ser que surgiu", explicou Otovanilda Gois, psicóloga do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP).
“Tem um ditado africano que diz que é preciso uma aldeia inteira para cuidar de um bebê, mas as mães têm o desafio de cuidar de si mesmas e de outro ser. Elas precisam de acolhimento. Ter alguém para ajudá-la quando estiver cansada ou precisar de um momento de autocuidado. Ela é mãe, mas também é uma mulher”, continuou.
Otovanilda Góis, psicóloga do IMIPOs cuidados psicológicos também não podem ser negligenciados no momento em que os filhos atingem a idade adulta.
“Eles crescem, mas a maternidade continua. Nessa fase, a mulher normalmente está passando pela etapa da menopausa e, com os filhos seguindo um novo caminho, saindo de casa, resta para ela uma nova identidade. Muitas sofrem por conta de um casamento que não está estabelecido, alguma crise na carreira ou sonho não realizado”, citou.
“Quando as mães viram avós, por exemplo, vem a questão da transgeracionalidade. São papeis diferentes que são exercidos ao longo da vida. Muitas mulheres, quando se tornam avós, passam a ser mães de novo ao criar os netos. Isso vai depender de como cada família se organiza na função. A avó vira uma rede de apoio da filha, que agora é mãe, trazendo sua visão de mundo, mas também se atualizando com a nova geração”, observou.
Para a psicóloga, é fundamental as mães procurarem um ambiente seguro para diálogo em caso de percepção de uma mudança na saúde mental.
“É importante dizer aos filhos não esquecerem de suas mães. Seja com um diálogo, uma mensagem ou uma visita. Elas precisam saber que não estão sozinhas. A maternidade, por mais que aparente ser um caminho solitário, também é singular. Se ela se sentir abandonada, é preciso buscar ajuda. O apoio psicológico, por exemplo, não pode ser apenas em casos de depressão ou por conta de alguma patologia. Ele é um suporte a qualquer momento para ela encontrar um ambiente seguro, partilhando suas dúvidas e proezas. No fim, sabemos que ninguém nasce mãe, mas se torna ao longo da caminhada”, finalizou.

