Recife debate estratégias para enfrentar os impactos da elevação do nível do mar
O workshop Recife Exchanges Netherlands (RxN) promoveu a troca de ideias entre pesquisadores recifenses e holandeses, no Bairro do Recife
Considerada uma das cidades mais vulneráveis à elevação do nível do mar, Recife enfrenta o desafio de transformar sua estrutura para suportar os efeitos das mudanças climáticas.
Este cenário foi tema da 5ª edição do “Recife Exchanges Netherlands (RxN) - Projetando para os extremos - Adaptação à elevação do nível dos oceanos na cidade do Recife – Brasil”, que ocorreu ao longo da última semana, no Bairro do Recife.
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O encontro, organizado pelo projeto Recife Cidade Parque com outras instituições internacionais, reuniu, de forma presencial, especialistas brasileiros e holandeses, além de alunos e profissionais de arquitetura, urbanismo, planejamento territorial, conservação do patrimônio e oceanografia. O objetivo foi apresentar e discutir propostas para a capital pernambucana.
Especialistas do Recife e da Holanda debateram ideias durante a semana. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco.Vulnerabilidade do Recife
O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU) apontou, em estudo divulgado em 2021, o Recife como a 16ª cidade mais ameaçada pelo avanço do nível do mar.
De acordo com a pesquisadora e coordenadora do eixo de Oceanografia do Recife Cidade Parque, Maria Christina Araújo, essa vulnerabilidade é explicada por causa de características da cidade, que contém uma bacia hidrográfica cortada por três grandes rios: Beberibe, Capibaribe e o Tejipió.
“Recife é uma cidade extremamente baixa em relação ao nível do mar. Esses três rios chegam em um estuário único e nós temos essa configuração de cidade baixa, cortada por rios com a frente marinha e uma alta vulnerabilidade socioeconômica. Temos uma ocupação desordenada no território em áreas de risco”, detalhou.
Avanço do nível do mar preocupa a cidade do Recife. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco.Ações e estudos
O projeto Recife Cidade Parque é fruto da parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Prefeitura do Recife.
O objetivo é transformar a capital pernambucana em uma cidade-parque até 2037, quando a cidade completará 500 anos.
As primeiras ações do projeto foram voltadas para a bacia do rio Capibaribe. Equipamentos públicos como o Jardim do Baobá e o Parque das Graças, no bairro das Graças, e o Cais da Vila Vintém, em Casa Forte, são exemplos dessas entregas.
Segundo Roberto Montezuma, professor da UFPE e coordenador-geral do projeto Recife Cidade Parque, novas ações seguem em estudo partindo de duas formas de lidar com a questão da água nas cidades: proteção e adaptação.
A ideia de proteção busca criar barreiras que impeçam a entrada da água, enquanto a de adaptação permite integrar o fluxo hídrico ao ambiente de forma gradual.
"Nosso objetivo é que o Recife adote uma combinação entre as duas estratégias, que vá escalonando. Só com a proteção não vai resolver. Você tem que ir criando estruturas mistas, meio adaptação, meio proteção, porque essa é uma cidade histórica", afirmou Roberto.
Roberto Montezuma durante um dos dias do workshop no Bairro do Recife. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco.Na visão da pesquisadora do eixo de projetos do Recife Cidade Parque, a arquiteta catalã que vive no Recife desde 2014, Marta Roca, o mesmo conceito do Parque Capibaribe está sendo pensado para os rios Beberibe e Tejipió.
“A gente está estudando um plano de paisagem para entender um pouco como são essas duas bacias e poder propor ideias. Entender que o Recife pode ser uma grande cidade de parques e que isso vai ajudar no enfrentamento do aumento do nível do mar, porque a gente está pensando em áreas permeáveis que absorvam as águas no momento de chuvas extremas”, explicou.
O workshop teve um grupo de estudos voltado para o Centro Histórico da cidade. O Bairro do Recife e a antiga Ilha de Antônio Vaz, que abrange os atuais bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha do Leite, receberam propostas conceituais que vão alimentar pesquisas sobre o tema.
"Todas essas ideias são insights, que vão precisar de muito estudo. Mas a gente está pensando em ideias para sair um pouco da caixa. São ilhas em que é muito difícil permitir que a água entre. O que a gente avaliou até agora é que, como essas ilhas têm muito patrimônio, têm muitas pessoas morando, é muito difícil a gente permitir que a água entre no cenário de adaptação", completou Marta.
Marta Roca detalhou novos estudos que estão sendo feitos para a cidade do Recife. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco. Intercâmbio de ideias
O RxN tem como principal característica a troca de ideias entre especialistas do Recife e da Holanda. Membro da Agência de Patrimônio Cultural dos Países Baixos, Jean-Paul Corten foi um dos representantes do continente europeu que estiveram na capital pernambucana.
O foco dos estudos de Jean-Paul Corten são os desafios hídricos, a partir de análises sobre como é possível proteger e adaptar o patrimônio em relação à água.
O especialista analisa que o desafio nos dois locais é o mesmo, mas com condições diferentes. Segundo ele, a Holanda tem uma longa tradição nesse trabalho de lidar com a água e pode aprender com diferentes formas de abordar a questão.
"Estamos muito necessitados de novas estratégias. E em conjunto com os colegas, esperamos desenvolver novas estratégias e métodos para aplicar não apenas no Recife, mas também na Holanda. No Recife, as mentes podem estar mais abertas a diferentes soluções. Então, isso pode nos ajudar. E, por outro lado, eu acho que a tradição que temos na Holanda também pode ajudar Recife", destacou.
Especialista holandês abordou a importância da troca de informações com o Recife. Foto: Davi de Queiroz/Folha de Pernambuco. ProMorar Recife
Ciente da vulnerabilidade da cidade à elevação do nível do mar, a Prefeitura do Recife afirma que vem desenvolvendo estratégias de adaptação e resiliência urbana.
A secretária de Projetos Especiais do Recife, Marília Dantas, destaca que a prefeitura tem trabalhado com base em quatro pilares da gestão de risco: prevenção, adaptação, preparação e resposta.
Marília Dantas destaca ações realizadas pela Prefeitura do Recife. Foto: Helia Scheppa/Divulgação.Alguns exemplos dessas ações são três reservatórios no bairro da Imbiribeira e os parques alagáveis no Ipsep e no Barro (esse ainda em construção).
Além do projeto Recife Cidade Parque, Marília ressalta as ações que estão sendo desenvolvidas por meio do Programa de Requalificação e Resiliência Urbana em Áreas de Vulnerabilidade Socioambiental (ProMorar), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
"É o maior investimento de resiliência urbana da história da cidade, voltado principalmente para a macrodrenagem da bacia do Tejipió, a urbanização integrada das comunidades vulneráveis e também a proteção de morros”.
De acordo com a secretária, esse programa tem como diferencial não tratar apenas de drenagem e de urbanização, mas também inclui a adaptação dos projetos à elevação do nível do mar e das mudanças climáticas.
"Isso significa que as obras que estamos projetando hoje, já consideramos o comportamento futuro das marés e dos rios sob diferentes cenários climáticos”, disse Marília Dantas.

